quinta-feira, 14 de maio de 2009

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Betty Vidigal
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Between day and night
Esmeralda Deike
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MULHER DE MARTE
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Não me olhes com esses olhos de perigo:
cuidado comigo.
Se mergulho nos teus olhos, não consigo
deixar de provocar-te. É um vício antigo,
e esse meu lado disfarçado, ambíguo,
tão diferente do meu jeito
usual de fazer tudo direito
é, dos meus defeitos,
talvez a pior parte.
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Sei que dizem que as mulheres são de Vênus,
mas sei que eu, pelo menos,
sou de Marte.
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Pintura de Charles Dwyer
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INCÊNDIO E CHARME
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Para enfrentar o mundo,
que meu amor
de mim se arme:
incêndio e charme.
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Para enfrentar-me,
há que ir mais fundo:
só charme e incêndio
não vão bastar-lhe
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(que sou imune).
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Amor se mune
de incenso e calma,
de calma e incenso
(amor acende-o).
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Amor se arma:
ciência e karma.
Atiça o lume
do olhar intenso
e afia o gume
do seu sorriso
(alfanje, sabre).
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É o que é preciso:
amor me abre.
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"Three Days Rain" by Marnix De Bleeckere
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CIÚME
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Esta noite, me cobri com seu perfume:
era um jeito de ser sua.
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Deitei no centro da cama, seminua,
sozinha
vestindo a tanga de renda cor de água-marinha
que comprei para te provocar.
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(A diferença entre amor e paixão
é que amor não
faz a gente sair por aí,
comprando lingerie
– isto não é invenção minha,
é citação;
já nem lembro onde li.)
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Mulheres sábias usam só uma gotinha
de essência, atrás da orelha.
Eu, que não sou sábia, não consigo:
uso uma gota entre os seios
e outra gota no umbigo.
E se pretendo partir para o ataque,
prefiro pôr atrás da orelha
uma gota de conhaque
Pedro Domecq.
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Mas nessa noite, não: usei Bulgari Black,
um vidro inteiro,
num ato de exagero,
para acabar com isto de uma vez,
nunca mais sentir seu cheiro.
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Metódica e tranqüila como uma suicida,
massageei primeiro
os pés, pernas, joelhos,
longamente.
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A mulher do espelho
me olhava com censura.
Julguei detectar uns laivos de loucura
nos seus olhos vermelhos.
Mas eu, que sou sensata, madura, equilibrada,
quando percebo seus lábios cheios de perguntas
do outro lado da lâmina de vidro,
viro de costas para ela,
não lhe explico nada.
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Passo o perfume nas juntas:
dedos, pulsos, cotovelos;
derramo meio frasco nos cabelos
e por fim, acabo com essa história:
despejo sobre os ombros, a garganta,
todo o restante,
como quem dispara um tiro de pistola.
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Dormi assim, alucinada de perfume.
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Impressionante
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o que faz o ciúme.
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Reconfiguration V
Peter Gric
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MAS...
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Mas este amor com que te amei, de fera
que lambe a mão do dono, dominada,
não te bastou, eu sei, porque não era
depois daquela busca alucinada
o amor que imaginaras. Tua espera
de tantos anos, amor meu, com nada
sossegaria.
Nada estaria à altura do suspense
que aos poucos construíste, a expectativa
que te deixou a alma em carne-viva
e essa sensibilidade exacerbada
que te consome, honey. Nada, nada.
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Sei que me imaginavas diferente
e não sei bem quais sonhos eu devia
tornar reais. Sem referenciais,
perdida nesse mundo de nonsense,
fiquei assim: a fera doce, mansa,
que quando te exaspera
transforma-se em criança
e te toca de leve, ronronante
como ronronam onças. Mas não pense
que teus rugidos me assustam. Não me encolho:
prefiro te encarar, olho no olho.
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Olha então, bem sério, para mim:
alguma vez já viste uma mulher
com um olhar apaixonado assim?
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L'esprit et la matiere
By Catherine Alexandre
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COSMOGONIA
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Ah, esse corpo que tanto desejo;
esse teu corpo que desejo tanto!
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Vou te cobrir de estrelas,
cada estrela um beijo,
e te deixar assim, todo estrelado,
aberto em minha cama;
teu corpo um mapa
da cosmogonia do desejo,
espaço siderante onde viajo
e siderada me perco,
nave extraviada,
em órbitas concêntricas
fora do alcance de qualquer resgate.
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In the garden
Arian
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QUE SEJA
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Está bem: que termine, que termine!
Se tem que ser assim... Enfim: que seja!
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Que não mais o meu verso te ilumine
e nem tua magia me proteja
das coisas que não temo e em que não creio.
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E os beijos de hortelã e de cereja
que trocaríamos noutra realidade,
que fiquem para sempre relegados
ao território das impossibilidades.
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Não sou de ter saudades do passado,
mas do futuro, sim, terei saudade.
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Beach series
By Mark Lovett
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SUMIÇO
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Vou desaparecer da tua vida,
e ela vai ficar tão aborrecida!
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Vou deixar a tua vida lisa e plana,
sem graça como um início de semana,
uma semana dessas bem compridas,
sem expectativa de alegrias.
Uma sucessão de dias desbotados,
tardes frias,
noites descoloridas, madrugadas
pálidas e mal dormidas.
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Vou sumir até mesmo dos teus sonhos,
não vou aparecer nem em delírios;
tenho planos detalhados e perfeitos
e quando os descobrires
será tarde demais,
não vai ter jeito:
tudo vai parecer tão desenxabido,
tão tristonho,
tão desprovido de finalidade...
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E quando não houver nada que te agrade,
te interesse,
todos dirão que é depressão, estresse,
mas nós dois saberemos que é saudade.
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Pintura de Anton
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HORIZONTE
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O horizonte é o mesmo.
Mas há esta nova claridade que me sufoca o olhar.
Caminho a esmo.
Hoje não quero pensar.
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É que mudou a lua,
e tudo se transforma.
Cobre-se a Terra de uma terra nova
e as marés se tornam violentas.
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Somente eu vou lenta, lenta.
Concentrada em não chorar.
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Não que tenha perdido a alegria
por completo:
o caminho não havia de sempre reto
e eu já sabia disso muito antes
de decidir te acompanhar.
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Mas agora, a noite me tomou.
E eu me tornei, subitamente,
o que não sou:
sem norte, sem destino.
O que se extraviou,
de mim, por esta estrada?
Eu vinha te seguindo e não te vejo mais.
E estava tão habituada.
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O horizonte é o mesmo.
Só lhe falta
a longa silhueta que eu seguia
e contemplava.
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É que mudou a lua, e tudo se transforma.
Somente a linha do horizonte permanece inalterada.
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Renso Castaneda
http://www.castanedaoilpaintings.com/
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EXPLORADORA
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Me crava no teu chão feito bandeira
informando a piratas e que tais
que já uma fragata brasileira
atracou no teu solo: nunca mais
te vais livrar da alma aventureira
a explorar-te as praias ancestrais
palmo a palmo,
légua a légua,
milha a milha,
inundando de sol a quase ilha
com risos e requebros tropicais.
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Pintura de Dang
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MIMETISMO
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Então fiquei assim: dourada e tua.
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Estendida sobre a areia,
meio nua,
meio sereia, um pouco
estrela- do-mar.
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Interior de concha, a madreperolar-
-me para te atiçar.
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(De pura fita, por puro charme,
um pouco inércia, preguiça um pouco:
jogo de búzios e de mimetizar.)
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Esses teus olhos, meu louco,
andaram roubando as luzes
que flutuavam no ar
para espalhar por meu corpo.
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Então fiquei assim: tua e dourada.
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Sereia meio submersa,
fragata
naufragada.
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Between two skies
By Raquel Partnoy
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TERRA
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Escuta, amigo:
a noite não te dá maior verdade
do que aquela que encontras em ti mesmo
nem tua lágrima redime os outros homens.
Enquanto a Terra te conservar preso,
não serás mais que sal e pó, e pó e sal
que o vento leva e o mar dissolve em ondas.
Coisa nenhuma importa mais que o tempo,
e o tempo é morto sem que o percebamos.
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A luz é rápida e incompreensível;
o mais é vida – o irremediável.
As coisas são os rios,sempre móveis,
dessa inquietude amorfa e absorta.
Nós somos nós somente, até a morte:
o absoluto que jamais se aceita
como é –única e perpétua liberdade
imortal e perfeita.
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The Temptation of Sir Percival
Arthur Hacker
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PLANOS PARA O MILÊNIO
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Não estarei em tua casa, quando voltares cansado do trabalho.
Não estarei deitada em teu sofá, lendo os jornais do dia, à tua espera.
Não estarei sentada na calçada, a cabeça apoiada nos joelhos,
esperando teu carro aparecer.
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Não estarei também ali na esquina,
segurando uma faixa em que proclamo
minha determinação em prosseguir te amando
haja o que houver.
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No próximo milênio,
não estarei em permanente sobressalto,
procurando teu nome na lista de escolhidos
para embarcar na nave para Júpiter.
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Neste próximo milênio, isto eu garanto,
vou estar muito tranqüila.
Serei apenas uma poeta estarrecida
com a própria capacidade de esquecer-se
da tua pele,
dos teus olhos,
do som da tua voz,
de cada detalhe das tuas mãos quase transparentes
apoiadas sobre o mapa circular da minha vida,
determinando meu futuro e meu presente.
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Inspired
Arian
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CHARME
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Dentro do raio de ação
desse charme,
pergunto-me por que não imunizar-me.
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“É o princípio da vacina,minha filha”,
“Expões-te ao vírus,ao veneno, e em pouco tempo – maravilha!
– ficas protegida”
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“Mas que ingenuidade comovente!” ,
explode, às gargalhadas, meu inconsciente.
“Não percebes então, louca, cega, ignara,
que não serás a mesma
ao sair desta sala?”
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Ao que retruca o superego,
contrafeito:
“E eu que pensava tê-la educado
tão direito!
Parecia já tão bem treinada!
Mas vê-se agora: não aprendeu nada!”
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“Tolices”, respondo, ríspida e confusa.
“Tolices dessa cabeça de medusa,
alma de mil serpentes,
que te habita, inconseqüente!”
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E o superego, condescendente:
“Crês, na verdade;
crês, realmente,
que tua simples vontade
de fêmea possa resistir ao charme incandescente
dessa tua alma gêmea?
Pois é isso que sois,
os dois....”
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Mantenho-me então,
por precaução
(sou mesmo assim, prudente),
bem próxima ao limite do círculo de ação
desse charme indecente.
Não é que acredite,
realmente,
que tanto alarme tenha procedência.
Mas, numa emergência,
não me rendo:
afasto-me correndo.
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Só que – ai!
– me atrai....
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Pintura de Renso Castaneda
http://www.castanedaoilpaintings.com/
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ENCONTRO
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Com olhos secos,
te vejo e me recuso
a acreditar.
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Com voz segura,
explico que não posso
demorar.
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Com dedos frios,
despeço-me e despeço-te
num gesto.
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Com passos firmes,
afasto-me depressa.
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O coração
quer dormir e não encontra
posição.
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Carmem
Alexandru Darida
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FIM DE FESTA
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Havia vento.
Era o momento em que talvez o sol nascesse,
mas em vão aguardamos que viesse.
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Havia vento e, à minha volta, tanta gente,
que minha solidão era um mistério.
(Que eu me sentia uma figura solitária,
uma figura pequena e esquecida
na imensidão macia do gramado.)
Havia vento,
fazia frio,
e eu estava - sabe? - tão cansada!
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Era um fim de madrugada.
A grama estava úmida e gelada.
As pessoas pareciam tão distantes!
E, súbito, cobriu-se o universo
de um silêncio tão grande,
de um tão intenso silêncio sossegado!
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Eu não sentira nunca, meu amor, tanta saudade.
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Azaleas
Albert Moore
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GOLE
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Toma um gole de mim que te sustente
por mais uma semana, um mês talvez.
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Um hausto de palavras transparentes,
tela translúcida através da qual me vês
como uma silhueta, simplesmente.
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Uma mulher que pensas conhecer?
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Me deixa bêbada de ti. Por um momento,
quando te afastas,sei que vou morrer
de uma ressaca dessas violentas,
que fazem viciados renitentes
jurarem a si mesmos nunca mais beber.
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Mas sei e sabes que estou sempre aqui,
e que sou e serei reincidente.
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The four seasons
Alejandro the Riquer
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RISCO
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Sempre correndo riscos.
Nunca choro.
Isto? Não são lágrimas, não.
Foi só um cisco
no meu olho, juro. (Eu adoro
você, cara.) Mais uma vez me arrisco:
encaro o salto no escuro.
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Aterrisso
nos seus olhos? Não:
Lá, no olho do vulcão,
no fulcro do furacão,
no centro da tempestade.
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Um lado de mim tem os pés sempre no chão,
sonhos sensatos, maduros.
Um lado é a realidade.
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O outro lado desvaria quando salta:
entra em órbita em torno de Saturno
e nunca volta à Terra. Nunca mais.
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Provoco maremotos, à distância:
diluo o seu olhar nos Oceanos.
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Em conluio com a Lua,
desencadeamos você e eu essas marés azuis que têm invadido os continentes,
provocando pânico.
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Quero sim ser sua,
e o resto do Universo que se dane.
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(O Sistema Solar entra em pane)
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Betty Vidigal - Betty Vidigal é autora dos livros Eu e a vela, Tempo de Mensagem e Os Súbitos Cristais, de poesia, e Posto de Observação - Contos para a Happy-Hour, de contos (publicados também em Portugal). Colabora com a revista Voz Lusíada e o jornal O Escritor. É membro da diretoria da UBE - União Brasileira de Escritores. Betty Vidigal é uma escritora experiente, com três livros de poesia publicados. Como ela mesma conta, faz poemas desde muito nova, quando nem sabia escrever e pedia ao pai, no meio da noite, que escrevesse para ela. Seu primeiro livro, publicados aos seus dezessete, foi prefaciado por Lygia Fagundes Telles. Alguns dos seus poemas estão no sítio: http://www.blassoc.com.br/poemas.php
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Um comentário:

Zica Cabral disse...

Betty Vidigal............
Os seus poemas estão cheios de sensualidade e do comum de sentir de quem ama a serio. A 100%.
Auele do ciume esta fantastico............mas todos são excelentes e materializam os nossos sentimentos de mulheres apaixnadas................por um home, pela vida, por todas as coisas.
Neste dia, ha 12 anos nasceu o meu primeiro neto. Uma ternurinha de bébé, como são todos os bébés muito amados. Falei, com ele, vio na camara de video. Continua lindo, ternurento ,meiguinho lindo por fora e por dentro.
O meu Vasco ja esta um homenzinho mas continua o meu ´bébé neto muito amado.
Eu estou bem Sylvia, obreigado por perguntar e, sobretudo por se preocupar. Arranjei um emprego, pareceu uma aluna para guitara e canto e estou bem comigo propria........o que é essencial.
Um beijo amiga
Zica