domingo, 22 de março de 2009

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Nossos pais, Ruth e Heitor, meu filho Domingos Sávio.
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.DE QUE É FEITA A SAUDADE?


Lembro-me da última vez que ouvi a voz da minha mãe. Ela me dizia, ao telefone, que eu estava atrasada para o compromisso agendado em família - que teria sido a celebração de uma missa em homenagem aos familiares que haviam falecido.
Sua voz era suave, maternal, tão carinhosa, que parecia mesmo estar se despedindo. Eu, sentindo que estava de fato demorando no banho, na escolha da roupa, nos acertos com minhas filhas, disse-lhe que chegaria em poucos minutos.
Chegando à casa dos meus pais, meu irmão estava no portão aos prantos, dizendo que mamãe havia passado mal, estava caída ao chão quando foi acudida, e por esse motivo foi levada às pressas para o hospital. Por que será que os filhos pensam que seus pais são super-heróis? Que não adoecem, não morrem?
Quando soube que "mainha" havia falecido, minha tristeza era tão grande que não consegui derramar uma única lágrima pela morte da mulher mais importante e inesquecível da minha vida. Meu corpo ficou tomado por manchas violáceas por vários dias, eu não conseguia dormir, nem deixar de pensar nela, estava deprimida e perdida em casa. E assim fiquei por vários dias até descobrir que essa dor nunca vai embora.

A última vez que vi meu pai, ele estava deitado na cama do home care na casa da minha irmã. Seu olhar estava triste, perdido; o rosto amarelado e um pouco inchado; as mãos, pés e pernas estavam tão edemaciados que minavam água em toda a extensão do colchão. Estava sofrendo como poucos sofrem na vida.
Eu havia comprado um cd com as músicas das antigas marchinhas de carnaval e uma delas ele adorava: touradas em Madrid. Pus a música, tentei cantar alguns trechos com ele, mas as palavras não conseguiam sair de sua boca. Ele estava triste demais para cantar, para relembrar, e esse silêncio me fez travar o dialogo mais estranho que uma filha teria com seu pai. Disse-lhe que estava na hora de ir, que ele não se preocupasse. Também lhe disse que sabíamos o quanto ele era guerreiro, que não precisava se preocupar no que estava nos transmitindo, pois sabíamos que ele era o nosso maior exemplo de garra e de luta. Estava na hora de ir embora.
Entrei no carro aos prantos após tê-lo visto por aquela última vez. Enquanto dirigia, lembrava de cada palavra dita, dos olhares, dos sentimentos que eclodiram naquele último encontro, da vida, da morte...
Poucos minutos depois do regresso à minha casa, ainda chorando, o telefone tocou. Senti imediatamente que aquela ligação tinha algo a ver com papai. E tinha. Ele havia acabado de falecer.

Saudade é um sentimento feito de olhares, de toques, de palavras e de gestos que são eternizados através de minutos que nós não permitimos que o tempo avance ou desfaça. Esses momentos são únicos, exclusivos, e o tempo não tem como apagá-los ou torná-los menos importantes e inesquecíveis. Esses momentos, essas lembranças, essa saudade, são nossos.
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Hoje, 19/03, meus pais celebram aniversário de casamento. Estamos com saudades, ainda choramos, não conseguimos preencher o vazio que é a ausência deles, mas jamais deixaremos de partilhar desse banquete.



PAPAI
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Era uma quinta-feira quando papai sentiu mais forte os incômodos que o fariam dar entrada na emergência logo na sexta pela manhã. Foi um sufoco tão sério como foram os anteriores: não conseguiu despertar, ficou com um aspecto macerado, sem vida e sem cor, sua respiração era mantida via oxigênio, sua vida estava no fio da navalha. Com a chegada dos para-médicos, constatou-se um edema pulmonar, o mais novo diagnóstico dentre outros listados em seu prontuário. Saiu de casa em coma, e em coma permanece até agora.
De quinta à noite até sexta pela manhã, 04 paradas cardíacas haviam maltratado o seu coração já adoecido, envelhecido, mas desperto para a vida, pois tudo o que ele não quer é encontrar-se com a morte. Contar às vezes em que esteve assim, tão entregue aos caminhos da eternidade, fariam encher uma página inteira de acontecimentos. Mas resolvi publicar aqui uma conversa que me faz chorar, e que eu poderia ter dito a ele enquanto esteve vivo e lúcido. Sabe-se lá por que as palavras não se sobrepõem à vontade, e saem da boca como que vomitadas quando mais precisamos delas?
Pai...
Vê-lo inerte na cama desse hospital me fez pensar que a saga desse guerreiro chegou ao fim. Segurando a sua mão, lembrei das tantas vezes em que médicos e exames traçaram prognósticos sombrios e vazios.... Mas a partida aconteceu quando as memórias da guerra, dos desencontros e da família resolveram buscar outras paragens que não essa Terra, que não esse tempo, pois o que resta de mais pungente agora é a certeza de que lutou com todas as forças para viver. Eis o seu e o nosso legado.Sabe, papai, dizer que a vida foi boa e confortável para nós seria omitir as tantas vezes em que nos permitimos chorar, desacreditar e sofrer pelas ausências que nos impomos ao longo dos anos. E pergunto: O que nos faltou? O que houve conosco? Só hoje percebo que tínhamos quase tudo para que a tal felicidade nos preenchesse a alma. Tínhamos uma mãe guerreira à frente das nossas vidas, foi-nos ensinado que a coragem e o ser falam mais alto do que qualquer outra força e, sobretudo, vimos o senhor e a mainha firme, seguindo com dignidade e maestria os caminhos da vida. O que ainda não conseguimos perceber, então?Amanhã, quando da sua presença restar um punhado de sementes em nossas vidas, tal e qual o jardim que a guerreira Ruth plantou e cuidou para nós, precisaremos ter extraído o ensinamento maior, escondido na cadeia de acontecimentos que marcaram todos esses anos. Quererei entender que o Senhor Deus permitiu que mágoas inexplicáveis pudessem ser desfeitas quando vi o cuidado com que o Januzy pegou o senhor nos braços, usando uma força que nem tinha, e colocou-o na cadeira de rodas para alimentá-lo como fazemos com os bebês. E, contemplando a beleza de uma outra cena, também vi que o senhor e o Januzy permaneceram um na companhia do outro por todo o período em que esteve doente, contrariando memórias passadas que se opuseram ao amor entre pai e filho. Quem pode entender as mensagens de Deus, senão o coração?Também abstrai das ações rotineiras envolvidas no trocar fraldas, banhar, alimentar, fazer barba e cortar unhas, coisas que o guerreiro Heitor não teria como imaginar em sua vida, outrora livre e cheia se emoção, mas que imprimiram uma mensagem mais forte do que qualquer outra já ensinada: Não poderemos viver ou sobreviver sem o outro.Se saberemos decifrar os apelos que virão após a sua partida, se estaremos dispostos a juntar as nossas migalhas de felicidade para estarmos juntos, papai, eis que a sua e a lição da mainha terão que germinar boas sementes em terras fertilizadas com a esperança.É lua minguante no céu estrelado de Fortaleza. Nesse momento, os anjos estão em vigília pelo sr. Heitor, assim como estão ao lado de todos os que sofrem a incerteza da partida. Ir embora dessa vida, deixar de lado os amores, a família e esse Sol que nos protege é deixar par atrás uma vida de encontros e desencontros para construir uma outra em algum lugar, sem endereço ou destino certo.Em pé, no alto da colina, uivando em noite de Lua pequena, a Loba anuncia que se retirará por alguns dias, mas ficará com saudades da sua matilha. Se a ausência que agora maltrata o coração for partilhada pelos que vou deixando aqui, peço-lhes que que uivem alto, forte e com amor, pois onde estiver estarei ouvindo e sabendo que nossos encontros não terão sido em vão.

"Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas".

-- Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade". Friedrich NIETZSCHE
><))))º>Maria Jaqueline Rocha Barroso Sales <º((((><

5 comentários:

Jaqueline Sales disse...

Amigo é coisa para se guardar
Debaixo de sete chaves
Dentro do coração
Assim falava a canção que na América ouvi
Mas quem cantava chorou
Ao ver o seu amigo partir

Mas quem ficou, no pensamento voou
Com seu canto que o outro lembrou
E quem voou, no pensamento ficou
Com a lembrança que o outro cantou

Amigo é coisa para se guardar
No lado esquerdo do peito
Mesmo que o tempo e a distância digam "não"
Mesmo esquecendo a canção
O que importa é ouvir
A voz que vem do coração

Pois seja o que vier, venha o que vier
Qualquer dia, amigo, eu volto
A te encontrar
Qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar.



BeijUivoooooooooooooooossssssssss da Loba

Zica Cabral disse...

Os meus Pais já partiram ambos, se fossem vivos,teriam agora 100(o Pai), 99 (a Mãe). Nunca os consegui chorar porque, permanecem sempre vivos. Fazem-me muita falta, fisicamente, mas espiritualmente continuam aqui, pertinho de mim.
A morte fisica é uma passagem, faz parte de cada ser vivo. Mas,quando a sua passagem pela vida é possitiva, o seu espirito permanece para sempre dentro de cada um dos seres que por ele foi tocado.
Tanto o meu Pai, como a minha Mãe eram seres extraordinários e, por isso, permanecerão para sempre dentro de nós.
Um beijinho
Zica

Unknown disse...

Os seus pais eram novos ainda quando partiram.Aumenta muito a nossa dor vê-los partir assim, mas que manda ou escolhe não somos nós
As leis da natureza são muito sábias.
A nossa saudade fará sempre parte desta vida, nossas origens e raizes
Aquilo que mais me doi foi de quanto não lhes disse e não fui capaz de lhes agradecer - O Amor.
Naquele fim do dia 20 de Abril de 2004. O papi estva pior. A sua respiração era quase nada e os seus olhos já se tinham fechado.
Pensei: Durmo um pouquinho e depois venho aqui para o pé de ti e vou rezando contigo.
Era tarde. O meu filho entrou no quarto e disse-me: - O Avô partiu.
Esses momentos não tem tradução e são aqueles que me tem acompanhado.
Na vespera do seu aniversário-
91 anos o Pai seguiu o caminho das estrelas que nunca mais deixarão de brilhar.

Unknown disse...

Fiquei extasiado com esta mensagem que por si só já fala consigo a que veio à tona. Um abraço solidário à família, integralmente aos filhos deste casal ao qual participaram da vida plena do mesmo. Que Jesus abençoe os vossos corações e vidas, mostrando-lhes o caminho.

Regislane disse...

Bela palavras... Ditas com a doce maestria de alguem que conhece a dor de perder àquilo que nunca se perderá.