quarta-feira, 29 de outubro de 2008

LYA LUFT

" A dor eventual é o preço da vida: passagem, seguro e pedágio."

" Quando eu quis ser rainha fui simplesmente humana".

" Amar é lidar com os espinhos de quem ama por inteiro: com força, não com fraqueza."

" O amor melhor é sempre dentro e perto."

" O amor é destino de quem está aberto, e dói sem remissão quando negado."

" O melhor amor sacia a fome inteira: mas tem de ser aceito, tem de ser ousado, tem de ser navegado."

"A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada”.






MEU JEITO

Quando pareço ausente, não creias:
hora a hora meu amor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.

Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
não creias também: é preciso encostar
teus lábios nos meus lábios para ouvir.

Nem acredites se pensas que te falo:
palavras
são meu jeito mais secreto de calar.


QUEDA LIVRE

Bem que eu queria dormir,
mas isso que não esqueço
me chama a noite inteira,
sem nome e sem piedade.

Se abro os olhos, eu caio
no esquecimento. Se durmo,
apagam-se as esperanças
- e não me sobra mais nada.

Devo largar minhas perdas
que ficaram na soleira
entre o passado e o recomeço?
Sempre que me levanto
eu perco um novo pedaço:
ouço os cacos rolando
a noite toda na escada.


MAR DEMAIS

O mar das nossas viagens
divide horizonte e cais,
e nos dois lados acena
a opção de ir ou ficar.
Quem navega, não pensa
em perda nem permanência:
só busca o caminho das ondas
e do ar.

O mar da esperança é fundo,
quem nele navega é rei:
pois se estrelas são miragem
entre cais e horizonte, cada viagem
chega mais perto da fonte:
isso não se pode medir nem
mudar.


A CASA DO MAR

Era uma vez um corredor de amores,
e uma casa ancorada no tempo da vida
para não naufragar.

Era uma vez viagens e descobrimentos.
Era uma vez uma infância dourada
e um quebra-cabeça possível de armar.

Era uma vez - e ainda respira em mim
como um cavalo alado -
aquele mar.


CONFLITO

Tenho medo das águas do destino
a invadirem o que penso e faço,
numa linha de infinda
contradição.
Eu sou assim:
quero fugir mas chamo,
quero ficar mas me assusta
não ter em mim nada seguro
e certo.

Nunca receio a alegria,
para a qual todos os milagres
são normais.
Mas quando tarda quem amo,
meu coração fica exposto
e aberto.

E mesmo assim eu persisto,
e ainda assim espero
ainda, como criança sozinha
atrás do muro.


REVERBERAÇÃO

O destino trama os dias
e desfaz o sonho: demarca
meus contornos, partes
disso que sou e serei.

Quem sabe desejei demais:
milagres não me bastaram,
mas quando eu quis ser rainha
fui simplesmente humana.

A voz da vida insiste,
chama para o que salva
ou desatina:
nem sempre a entendi.

Palavras buscam sentido
para o que fiz, falhei,
conquistei e perdi
- ou que me abandonou
nalguma esquina.

( Talvez eu precisasse é de silêncios.)


TODAS AS ÁGUAS

Quando pensei que estava tudo cumprido,
havia outra surpresa: mais uma curva
do rio, mais risos e mais pranto.

Quando calculei que tudo estava pago,
anunciaram-me novas dívidas e juros,
o amor e o desafio.

Quando achei que estava serena,
os caminhos se espalmaram
como dedos de espanto

em cortinas aflitas. E eu espio,
ainda que o olhar seja grande
e a fresta pequena.



Lya Fett Luft (Santa Cruz do Sul, 15 de setembro de 1938) é uma romancista, poetisa e tradutora brasileira. É também professora universitária e colunista da revista semanal Veja. Luft já traduziu para o português mais de cem livros, entre os quais estão obras de autores consagrados, como Virginia Woolf, Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann. Formou-se em letras anglo-germânicas e, desde os vinte anos, trabalha como tradutora de alemão e inglês. Também tem mestrados em literatura brasileira e lingüística aplicada, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).Tida como uma menina desobediente e contestadora, Lya, aos onze anos, já recitava poemas de Goethe e Schiller.Em 1963, com vinte e um anos, casou-se com Celso Pedro Luft, um então irmão marista, dezenove anos mais velho do que ela. Eles se conheceram durante uma prova de vestibular. Ela e seu marido tiveram três filhos: Suzana (1965), André (1966) e Eduardo (1969).
Em 1985, Lya divorciou-se de seu primeiro marido para viver com o psicanalista e também escritor Hélio Pellegrino, falecido em 1988. Em 1992, Lya voltou a casar com Celso Luft, de quem ficou viúva em 1995.No início de seu casamento com Celso, Lya começou a escrever poemas, reunidos no livro Canções de limiar (1964). Em 1972, foi publicado seu segundo livro de poemas, intitulado Flauta doce. Quatro anos mais tarde, escreveu alguns contos e mandou-os para um editor da Nova Fronteira, que os considerou "publicáveis". Em 1978, foi lançado seu primeiro livro de contos, Matéria do Cotidiano.

O mesmo editor da Nova Fronteira, Pedro Madureira, tinha aconselhado Lya a escrever romances. Daí surgiu As parceiras, publicado em 1980. A asa esquerda do anjo veio no ano posterior. Tais livros foram influenciados por uma visão de morte que a autora teve, depois de sofrer um acidente automobilístico quase fatal, em 1979. O quarto fechado, publicado em 1984, foi lançado nos Estados Unidos da América sob o título The Island of the Dead. Em 1996, Lya lançou o premiado O Rio do meio, de ensaios, considerado a melhor obra de ficção do ano. Em 2001, Luft recebeu o prêmio União Latina de melhor tradução técnica e científica, pela obra Lete: Arte e crítica do esquecimento, de Harald Weinrich. Os livros de Lya Luft continuam sendo traduzidos para diversos idiomas, como alemão, inglês e italiano.

Bibliografia:

No Brasil:

- Canções de Limiar, 1964
- Flauta Doce, 1972
- Matéria do Cotidiano, 1978
- As Parceiras, 1980
- A Asa Esquerda do Anjo, 1981
- Reunião de Família, 1982
- O Quarto Fechado, 1984
- Mulher no Palco, 1984
- Exílio, 1987
- O Lado Fatal, 1989
- O Rio do Meio, 1996
- Secreta Mirada, 1997
- O Ponto Cego, 1999
- Histórias do Tempo, 2000
- Mar de dentro, 2000

(Todos os livros foram publicados pelas Edições Siciliano e Mandarim, São Paulo - SP)

- Perdas e ganhos, 2003 - Editora Record

No exterior:

- The Island of the Dead (O Quarto Fechado), E. U. A.

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