domingo, 17 de agosto de 2008



Poemas da Madrugada

Ceará: terra do sol, do amor e da poesia!


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Pedro Lyra
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XXXVI

Dois infelizes

sim

dois infelizes

por ter forçado o amor

sem perceber

esta aporia

eterna e dupla:

amar

aquele por quem se é amado

e ser

amado por aquele a quem se ama.
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Isso transcende

à condição de amante,

à própria condição humana:

esta

não inclui
entre as suas concessões
a concreção dos sonhos mais perfeitos.
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Condenado ao desejo
não há chance
de nos cumprirmos como o desejamos.
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Basta amar
- e é impossível ser feliz:
porque o amor
porque é amor
não pode
unir amantes
num casal
pra sempre.
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XXXVIII
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A essência material do ser humano
emerge pura
em chaga ou euforia.
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Vem do fundo do ser
mas
ao contrário
de solidificar-se
liquefaz-se
quando se ama.
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É o próprio ser dos entes
que escorre
pelas faces
pelas coxas
e ao atingir o amante
se transfunde
impregnando o eu do eu do outro.
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E bebi o teu pranto:
estás em mim.
Sorveste o meu esperma:
estou em ti.
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Foi tanto no mais dentro de nós mesmos
que não é mais possível erradicá-lo.
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E seguiremos mistos
contra os egos
cravados um no outro
sobre os outros.
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XXXIX
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Enfrento a noite.
Um astro luz
alheio.
Julgo que há também lá
alguém que pulsa
mas não sofre
pensando no teu corpo.
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E por que eu?
E justamente tu?
Porque
ao penetrar-te tanto
e tanto
tanto deixei em ti da minha essência
que se te negas
privas-me
de mim
e se te tocam
é a mim que ferem.
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E enquanto sofro isto
ao constatá-lo
evoco os que te topam pela rua
e seguem
sem a mínima influência.
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Por que não eu, também?
Basta querer
pois não preciso te extrair de mim
mas o contrário:
- me extrair de ti.
.

. Adriano Espínola
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DOMINGO

Há sempre uma viagem que não fazemos. Há sempre uma fresta entre os minutos por onde irrompe o inesperado. Há sempre um agora, buscando no passado o seu futuro. E, sobretudo, há sempre o ardil do instante com suas pontes apodrecidas.

Há sempre uma serpente repentina que se enrosca no meu pulso. Há sempre um vento chegando com suas vestes visionárias. Há sempre árvores que se ajoelham, resignadas, ao sol. Há na praia, sempre, os milênios que se debruçam. E há o sol da manhã. E a tristeza vespertina de corpos se tocando.

No domingo, há sempre em mim um remorso flamejante; uma estátua que chora à beira-mágoa; um mendigo que celebra as feridas sazonadas; um bêbado com o hálito do poente. E um velho que delira ante as pegadas do silêncio.

Domingo de missas e messes abandonadas. Domingo de cemitérios alados e chuvas marinhas. Domingo dos afogados. Domingo de pássaros sedentos. Domingo do outro, penetrando em mim.

Domingo, absurdamente domingo.
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PRAIA

Aqui contemplas o horizonte e o verão madurando a carne. A maresia não vem do oceano, mas da maré dos instantes. Tudo é impuro enquanto vivemos. E teu corpo é esta enseada que se abre às minhas mãos trespassadas de algas e solidões vencidas.

Vencidas? Conquistadas. Porque vivemos não do que sabemos, mas do que sonhamos. Viver é aportar a cada dia à beira de uma praia ou de um corpo.

Aqui tens a areia e o verde abismo em frente para enlaçar tua cintura vertiginosa. Há relâmpagos e silêncios sobre a tua pele que alumiam a minha boca amanhecida. Sei que há tormentas. Naufrágios. Ressurgências. E que teu corpo é essa praia que se estende – provisória – para mim.

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Eduardo Pragmácio

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DISFARCES
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A busca
incessante
dessa perfeição
mutante
nada mais
importa.
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A porta é sempre
(entre)aberta
e quase atinge
o céu
para aqueles que
(ar)riscam
o papel.
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A angústia,
filha primogênita
da dúvida,
é um dos disfarces
da busca.
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POSSIBILIDADES
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Um cardápio de sonhos
aberto sobre a mesa
redonda e invisível,
onde o alimento é palavra,
possível chão ou precipício.
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A escolha é dolorosa
e dela parte uma distância insalubre.
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É como flutuar
sobre um mar de medos
e espera da queda.
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É onde os pés afundam,
nas dunas
— que se movem na palidez
dos ventos.
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Eduardo Pragmácio de Lavor Telles Filho é poeta e advogado cearense.

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Floriano Martins

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ALGURES UM MAPA

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Quantas serão as migalhas do espírito,
quando este mal soletra seus extravios?
Um bocado de nada, quanto lhe custa?
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Quantas vezes suportará o desatino de ser
tão excessivamente nada entre escombros?
Qual preço em cada agulha que o desfia?
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Uma vez que empalidece o mapa da ilusão,
já não reconhece um vestígio próprio.
De tanto olhar para si, quantos vê ainda?
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Será deste modo que se esvai, tão líquido?
Quem quer que encontre durante a queda,
com nenhum contará que o defenda de si.
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Estará sempre em débito com os espelhos,
as imagens se despedaçando a cada lustre.
Que importa quantas eram um minuto antes?
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Ao levar as mãos aos olhos quanto repinta
do que até então nem presume haver perdido?
Saberia se desfazer do que ainda não teve?
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Quanto escavará a lembrança e a ambição,
sem distinguir a qual cova mais se dedique?
Ao roer as vozes que o cercam, apenas cinzas.
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Formas arrastadas para o limite do ilegível.
Onde pouso a mão sem que me escapes , diz.
E já quase nada mais dizia, limitado à queda.
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Planejaria tornar a cada espelho submerso,
para refazer-se da imagem mal vislumbrada?
Quanto lhe custaria em naufrágios, interessa?
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Corpos da ilusão imersos em água salgada,
como rios atormentados por um ritual.
Quantas vezes não somos senão o que fomos?
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Algures um deus, um menino travesso, luz
queimada em plena ilustração do espírito.
Quanto custa percorrer a dor inteira?
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O que mais revira o ser que seu reverso?
Uma grande língua que vare toda a vida,
e que nos fale o que temos de mais íntimo.
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Cair na traquinagem do tempo ou do espaço,
eis como ceder à arte de matar o espírito.
Quanto de mim deposito na conta do viver?
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Em comum, os escrúpulos da inocência
e as suspeitas de crime, o que têm?
Decaído o espírito flerta com vagos perfis.
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Quem sabe o peso do vazio e seu destino,
calcule a tarifa da postagem e lamba
o selo como o espinhaço do infortúnio.
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O que subscrevo quando me livro de mim?
Para onde vou se observo o mar caindo
por toda parte e tudo é rio desmoronado?
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Esticar o limite do fim até que rebente.
Que a ilusão não tenha sossego e se rompa,
como a esperança arruinada por capricho.
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Quantas as migalhas vagando pelo bosque,
desencontradas do que já nem fantasiam,
o espírito encalhado em conjecturas?
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Um rosário de quedas, a que preço?
Qual transparência suporta uma noite
de sono bem acomodada em si mesma?
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As imagens se retorcem, feito uma chama
dentro do fogo. Um pássaro diz-se outro
ao desfazer-se de suas asas carbonizadas.
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Como reter a escrita de um espírito findo?
Por onde cai salpica labirintos e ressurge
e, ósseo, volta a morrer por toda parte.
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Desfazer-se da neblina, da areia, dos golpes
do desejo lavrados na pele da prudência,
custa mais caro que a insônia, quem banca?
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Quanto se pede pelo enredo da semelhança?
Dívida assim não se paga em vida. Deus
algum cobraria tão pouco por seus mortos.
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A vida é excessivamente nula do que somos,
e revela-se na dor que desferimos contra
o espelho, quebra, guarda, nenhum desconto.
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Floriano Martins (Fortaleza, 1957) - Poeta, editor, ensaísta e tradutor.
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José Alcides Pinto ( 1923-2008)
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EU
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Eu sou eu: íntegro e inviolável dentro
de mim mesmo.
O que não se descobre. Anônimo sob
minha própria espinha.
Atual em minha sombra incorpórea, sem
faltar um só de meus gestos físicos.
Eu sou eu. O fantasma de preto escanchado
no arame do quintal,
sob a sombra das árvores e sob a
sombra da lua
misteriosamente colhendo o silêncio com
as mãos invisíveis e
tecendo uma mortalha com o nó dos dedos
para vestir o próprio corpo.
Eu sou eu. O retrato destituído de vida.
O gesto estático.
O que está no limiar e afogado no abismo.
O que anda vestido e nu, sendo louco e poeta.
Eu sou eu e sozinho. Diverso sobre mim
e sob eu mesmo.
Oculto e visível como a lua caída no poço.
Proclamado como o homem dentro da praça,
no meeting,
sacudindo com os gestos da boca palavras
secas nos olhos da multidão.
Intocável e impossível como o que não se
conhece e não morre.

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NOSSO AMOR
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O amor está no arco-íris e no fim da tarde.
Está no teu olhar e nos cabelos negros
que às vezes se enrolam como tranças
e me prendem ao teu corpo como um feitiço.
O amor está no eclipse do sol e no meio da rua.
N a madrugada, no vento, na chuva, no vôo da ave
perdida na tempestade à procura do ninho.
O amor está em mim e em ti, em nossa pele
como grafite no muro que o tempo não apaga.
Está no pergaminho de nossas mãos.
N o primeiro olhar e no primeiro beijo que me deste.
Está no perfume da flor, na música das estrelas.
Em nossos corpos unidos na agonia do sexo.

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JOSÉ HÉLDER DE SOUZA
(1931 — 2004)

SONETO DA DESPEDIDA
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Morto serei na hora em que já não houver
nascido a rosa clara da alvorada.
E neste tempo, a roupa que eu vestir
será solene como a cor da noite.
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Tu, então, ó minha amada branca,
sê alegre como foras dantes
pois este fato não merece luto,
posto que muito triste e vaga foi
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a vida do poeta que amaste.
Morto, só restarão de mim meus versos
que valem só porque contêm teu nome.
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E basta então que em memória minha
a rosa clara da alvorada colhas
e com ela faças meu epitáfio triste.
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ÚLTIMO TRANSE
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Eu
sou eu e sou muitos.
Acumulei vidas, enriqueci-me de saudades.
Longas estradas me trouxeram.
No percurso marquei os acidentes:
cerros, vales, campinas, o mar,
o mar, encapelado ou liso, azul ou verde,
os rios, os córregos, as simples grotas,
as lagoas verdoengas e, mais ainda,
o homem, o homem a trafegar:
o que subia o monte… o que descia o rio na canoa,
o que amainava a terra, o marinheiro e o pescador,
o que tudo olhava e só olhava,
o que sofria a sua e as dores dos outros.
.
Quando aprendia a percebê-los e a inscrevê-los,
o homem, a pedra, a campina,
o mar e o barco a singrá-lo,
me vi na outra margem, sem barca, sem marujo,
passado pelo tempo, sem volta, em transe,
.
o último.

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Querido mestre, Professor Hélder, meu diretor do Colégio
Estadual Presidente Castelo Branco, em Fortaleza,
obrigada
pelo trabalho sério e competente.
Obrigada
por ter contribuído para a
formação de muitos jovens
do meu Ceará.
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3 comentários:

Anônimo disse...

Silvinha, lendo esses poemas me lembrei do nosso Colégio castelo Branco. A gente eta feliz e era tudo organizado com muita disciplina. O professor Helder era duro na organização. Belas poesias. Saudade de lá. te espero no smeu blogger. Beijitos, amiga, vou voltar outras vezes.

Sônia

Anônimo disse...

Olá, Silvia. Eu também sou do Ceará e fã do Pedro Lyra. Se você quiser, podemos conversar mais sobre ele. Eu tenho quase todos os livros dele e sei que não são fáceis de encontrá-los nas livrarias. Abraços e parabéns pelo blogger.

Meu MSN:
lucas.castro_55@hotmail.com

Anônimo disse...

Jorge Aloy

Se agregaron nuevos artículos en http://elperroelocuente.blogspot.com/
Ernest Hemingway, Flannery O'Connor y una semblanza sobre el creador del manga (dibujo japonés) que ya reivindicaba Borges.
Saludos.
Jorge