sábado, 30 de agosto de 2008

.
Poemas da Madrugada
.
Poetas Portugueses: estrelas de primeira grandeza!
.

Fiame Hasse Pais Brandão
.
A MINHA VIDA, A MAIS HERMÉTICA
.
Este amor literal, o pormenor dos lábios, a aproximação
da consciência é a situação mais nítida sobre a profundidade dos gritos.
Sobre a colina tradicional, sendo a tradição um único
momento, estou na mesma situação de Blake e na situação
de mim mesma quando ouvia o infinito no grito das crianças
e quando era evidente. Porém não terminava o crepúsculo, nem os jogos
se estavam a tornar obscuros, nem junto à casa aparecera
a fisionomia da imagem
de mãe. Nada se opõe, tudo difere, este sistema simbólico
inclui os gritos, com mais numerosas referências.
.
Tudo o que disse com literalidade deverá parecer,
agora, o aviso de que a minha vida é a mais hermética.
.
.
EM GALAFURA
.
Os povoadores da beira Douro
conhecem o pó e as pedras.
E sabem que o Universo
concebe cerejais e parras.
Vivem como vermes magníficos,
iluminados por dias soalheiros,
obscurecidos pelas invernias.
.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Famalicão, Quasi Edições, 2002
.
.
.
António José Queirós
.
I
.
Quando te chamo
o teu nome é mais azul.
.
Sorris como quem espera
as promessas que chegam
penduradas no Verão.
.
Vens como as gaivotas
vestidas de branco
e cheias de maresia.
.
.
II
.
O meu caminho
são todos os teus passos.
.
Sigo-os serenamente
como as aves que regressam
à inocente luz do sol.
.
Nas minhas mãos levo rosas,
tímidas rodas por abrir,
e palavras de amor escondidas
no rumor branco do silêncio.
.
.
III
.
Procuro nas fontes
o sabor da tua sede.
.
Sou como a ave renascida
voando para o azul
que nunca conheceu.
.
Vou descalço, peregrino
à espera do milagre.
.
.
IV
.
É entre o silêncio da bruma
e o verde rumor das algas
que o meu olhar se demora.
.
O horizonte é um barco
que navega para ti.
.
Amar é descobrir.
. .
.
XXXI
.
Aos domingos, a minha tristeza
passeia com a tua ausência.
.
Sinto a amargura
de um barco encalhado
.
a solidão
de uma praia quando chove.
.
Quero ir mais além
mas o caminho não tem fim.
.
.
.

ANTÓNIO PATRÍCIO
(1878-1930)

.
UNGE-ME DE PERFUMES
.
“Gosto tanto de ti...”, dizes. É pouco.
É das tuas mãos erguidas que eu preciso.
Vê bem, Amor: não é orgulho louco.
Para os outros eu sou apenas riso.
.
Unge-me de perfumes, minha amada,
Como certa Maria de Magdala,
Ungiu os pés d´Aquele cuja estrada
Só começou para além da vala.
.
Ama-me mais ainda, ó meu amor
Como aquela mulher ungiu o Cristo,
Unge o meu corpo todo, a minha dor...
.
Ela ungiu-o p´ra o túmulo, p´ra a Cruz.
Unge-me teu, p´ra o Sol por quem existo:
Viver é ir morrendo a beijar luz.
.

.

António Ramos Rosa (1924)

SEM TÍTULO
.
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
.
Não posso adiar este braço
que é uma arma de dois gumes amor e ódio
.
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
.

.

David António Mourão

PRESÍDIO
.
Nem todo o corpo é carne... Não, nem todo.
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco...?
.
E o ventre, inconsistente como o lodo?...
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor... Nem todo o corpo é carne:
É também água, terra, vento, fogo...
.
E sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio
.
vulto da Primavera em pleno Outono...
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!
.

.Fernando Pinto do Amaral (Lisboa, 12 de Maio de 1960)

SEGREDO
.
Esta noite morri muitas vezes, à espera
de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas trevas do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento,
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projectou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome - essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração.
.
(De Às Cegas)
.

.

A CHEGADA DO INVERNO
.
Nem sempre
a vida acolhe ou alimenta
os nomes do passado, o seu abismo
repetido num sonho, na mais lenta
assombração, no mais íntimo sismo
.
Do que chamamos alma. Não existo
sem essa febre mansa que relembro
enquanto as nuvens cobrem tudo isto
com o frio escuro de um dezembro
.
Longe de mim, de ti, de qualquer lei
ou juízo a que dêmos um sentido:
o que finjo saber é o que não sei
e as palavras colam-se ao ouvido.
.
Página publicada em julho de 2008,
para a I Bienal Internacional de Poesia de Brasília.
.

.

Américo Teixeira Moreira
.

Na hora de partir, a minha alma é um desfiladeiro
por onde passa a trémula madrugada
um ruidoso mar, o duro e frio adeus
de todos os que zarpam de Angra
para o Mindelo. Loucos talvez, mas hão-de
cumprir o cântico da alegria restaurada
dentro das muralhas da invicta e leal cidade.
Numa ultima alegria enevoada e serena
súbito, arremesso os olhos contra
os contornos tépidos da Terceira
e o seu silêncio de calcário é um incêndio
tão próximo e tão distante!
Nesse instante, somos o grito
de todos os medos, a proa do navio
onde viajam o destino e a vontade
o sonho e a esperança,
como uma lanterna de contrastes.
Quando nasce a noite no limite da terra
uma sólida aliança cresce entre os homens
e as ondas. Nem o cansaço nos impede
de lentamente buscar a memória
doutro destino para a rota da luz.
Para além de tudo, é uma força calada
que, alegre como um sonho chegado
não se sabe de onde, nos lança na praia
e assim, como tudo que é livre e tem limites,
também nós seguimos a solidão
saciando de distâncias o mar
e de brisa o coração apertado.
.
De
VÉRTICE DA SOMBRA
.
.
.
Adolfo Casais Monteiro
.

MADRUGADA
.
Ah! Este poema das madrugadas,
que há tanto tempo enrodilhado
num sem-fim de estados de alma
me obcecava, tirânico,
sem se deixar fixar! ...
.
Madrugada... e esta solidão crescendo,
esta nostalgia maior, e maior, e maior,
de não se sabe o quê
— nunca se sabe o quê...
que haverá nestas horas sozinhas e geladas,
para assim trazer à tona as indefinidas mágoas,
as saudades e as ânsias sem motivo
— de que não sabemos o motivo?...
.
Vieram as saudades do tempo de menino
— ou dum paraíso lá não sei onde?
Ah! que fantasmas pesaram sobre os ombros,
que sombras desceram sobre os olhos,
que tristeza maior fez maior o silêncio?
A que vem esse calor distante e absorto,
esse calar, esses modos distraídos?
Meu pobre sonhador! a esta hora
porventura se desvenda a Suprema Inutilidade?
e a definitiva ilusão de tantos gestos?
.
Interroga, interroga...
vai sonhando,
sem que saibas sequer o caminho que segues
vai, distraído e pensativo,
alheio de hoje,
vivendo já o derradeiro segundo...
.
Que a madrugada tem o pungir das agonias,
mas alheio, como o fim dum pesadelo...
.
.
.

Alexandre O'Neill
(1924 -1986)
.
O AMOR É O AMOR
.
O amor é o amor — e depois?
Vamos ficar os dois
a imaginar, a imaginar?...
.
O meu peito contra o teu peito,
cortando o mar, cortando o ar.
Num leito
há todo o espaço para amar!
.
Na nossa carne estamos
Sem destino, sem medo, sem pudor,
e trocamos —somos um? somos dois?
espírito e calor!
.
O amor é o amor — e depois?

.

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM
.
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
.
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

.

Antero Tarquínio de Quental ( 1842-1891)

.
IDILIO
.
Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;
.
Ou, vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas,
Ao longe, no horizonte, amontoadas:
.
Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empalideces ...
.
O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.

.

António Franco Alexandre (Viseu, 1944)

Nesta última tarde em que respiro
Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.
.

.

Fontes:

http://www.astormentas.com/

http://pt.wikipedia.org/

http://www.instituto-camoes.pt/cvc/poemasemana/19/lugares1.html
.

Nenhum comentário: