sábado, 23 de agosto de 2008

.
Pablo Neruda
.
'
.
A RAINHA
.
Eu te consagrei rainha.
Existem mais altas que tu, mais altas.
Existem mais puras que tu, mais puras.
Existem mais belas que tu, mais belas.
.
Tu, porém, és a rainha.
.
Quando vais pela rua
ninguém te reconhece.
Ninguém vê tua coroa de cristal, ninguém olha
a alfombra de ouro rubro
que pisas onde passas,
a alfombra que não existe.
.
E quando apareces
Soam todos os rios
em meu corpo, ressoam
pelo céu as campanas,
e um hino enche o mundo.
.
Só tu e eu,
só tu e eu, amor meu,
o escutamos.
.
Do livro: Os Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
O OLEIRO
.
Todo teu corpo tem
taça ou doçura destinada a mim.
.
Quando levanto a mão
encontro em cada ponto uma paloma
que me buscava, como
se tu fosses, amor, feita de argila
só para as minhas mãos de ceramista.
.
Teus joelhos, teus seios,
tua cintura,
me fazem falta como no vão
de uma terra sedenta
da qual foi desprendida
uma forma,
e juntos
somos completos como um rio único,
como uma única areia.
.
Do livro: Os Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
O CONDOR
.
Eu sou o condor, vôo
sobre ti que caminhas,
de repente num giro
do vento, plumas, garras,
te assalto, te levanto
num ciclone silvante
de atormentado frio.
.
Para a torre de neve,
minha guarida negra,
te levo, sozinha vives,
ticas cheia de plumas
e voas sobre o mundo,
imóvel, nas alturas.
.
Fêmea condor, saltemos
sobre esta presa rubra,
desgarremos a vida
que passa palpitando
e levantemos juntos
nosso selvagem vôo.
.
Do livro: Os Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
SONET XII
.
Plena mulher, maçã carnal, lua quente,
espesso aroma de algas, lodo e luz pisados,
que obscura claridade se abre entre tuas colunas?
Que antiga noite o homem toca com seus sentidos?
.
Ai, amar é uma viagem com água e com estrelas,
com ar opresso e bruscas tempestades de farinha:
amar é um combate de relâmpagos
e dois corpos por um só mel derrotados.
.
Beijo a beijo percorro teu pequeno infinito,
tuas margens, teus rios, teus povoados pequenos,
e o fogo genital transformado em delícia
.
corre pelos tênues caminhos do sangue
até precipitar-se como um cravo noturno,
até ser e não ser senão na sombra um raio.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
SONETO XIII
.
A luz que de teus pés sobe a tua cabeleira,
a turgência que envolve tua forma delicada,
não é de nátar marinho, nunca de prata fria:
é de pão, de pão amado pelo fogo.
.
A farinha acumulou seu celeiro contigo
e cresceu incrementada pela idade venturosa,
quando os cereais duplicaram teu peito
meu amor era o carvão trabalhando na terra.
.
Oh, pão tua fronte, pão tuas pernas, pão tua boca,
pão que devoro e nasce com luz cada manhã,
bem-amada, bandeira das fornadas,
.
uma lição de sangue te concedeu o fogo,
da farinha aprendeste a ser sagrada,
e do pão o idioma e o aroma.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
SONET XV
.
De há muito tempo a terra te conhece:
és compacta como o pão ou a madeira,
és corpo, cacho de segura substância,
tens peso de acácia, de legume dourado.
.
Sei que existes não só porque teus olhos voam
e dão luz às coisas como janela aberta,
mas porque de barro te fizeram e cozeram
no Chile, num forno de adobe estupefato.
.
Os seres se derramam como ar ou água ou frio e
vagos são, se apagam ao contato do tempo,
como se antes de mortos fossem fragmentados.
.
Tu cairás comigo como pedra na tumba
e assim por nosso amor que não foi consumido
continuará vivendo conosco a terra.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
SONETO XVI
.
Amo o pedaço de terra que tu és,
porque das campinas planetárias
outra estrela não tenho. Tu repetes
a multiplicação do universo.
.
Teus amplos olhos são a luz que tenho
das constelações derrotadas,
tua pele palpita como os caminhos
que percorre na chuva o meteoro.
.
De tanta lua foram para mim teus quadris,
de todo o sol tua boca profunda e sua delícia,
de tanta luz ardente como mel na sombra
.
teu coração queimado por longos raios rubros,
e assim percorro o fogo de tua forma beijando-te,
pequena e planetária, pomba e geografia.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
SONET XVII
.
Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.
.
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.
.
Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
.
senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
A MORTA
.
Se de pronto não vives,
de pronto não existes,
eu seguirei vivendo.
.
Não me atrevo,
não me atrevo a escrever,
se tu morres.
.
Eu seguirei vivendo.
.
Porque ali um homem não tem voz,
ali, minha voz.
.
Onte tratem os negros a pauladas,
eu não posso estar morto.
Quando no cárcere entrem meus irmãos,
eu entrarei com eles.
.
Quando a vitória,
não a minha vitória,
mas a grande vitória
chegue,
ainda que esteja mudo, vou falar:
eu a verei chegar, ainda que cego.
.
Não, perdoa.
Se tu não vives,
se tu, querida, amor meu,
se tu
morres,
as folhas cairão sobre meu peito,
choverá em minha alma noite e dia,
a neve queimará meu coração,
andarei com frio e fogo e morte e neve,
meus pés vão querer ir para onde dormes,
porém,
seguirei vivo,
porque tu me amaste sobre todas as coisas
indomável,
e, amor, porque tu sabes que sou não somente um homem
mas todos os homens.
.
Do livro: Os Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
SONETO XX
.
Minha feia, és uma castanha despenteada,
minha bela, és formosa como o vento,
minha feia, de tua boca se podem fazer duas,
minha bela, são teus beijos como frescas melancias.
.
Minha feia, onde estão escondidos teus seios?
São mínimos como dois vasos de trigo.
Me agradaria ver-te duas luas no peito:
as gigantescas torres de tua soberania.
.
Minha feia, o mar não tem tuas unhas em sua tenda,
minha bela, flor a flor, estrela por estrela,
onda por onda, mensurei teu corpo:
.
minha feia, te amo por tua cintura de ouro,
minha bela, te amo por uma ruga em tua fronte
amor, te amo por clara e por escura.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
A BANDEIRA
.
Levanta-te comigo.
.
Ninguém mais do que eu
quisera ficar
sobre a almofada
em que tuas pálpebras
querem fechar o mundo para mim.
Ali também queria
deixar dormir meu sangue
rodeando tua doçura.
.
Levanta-te, porém,
tu, te levanta,
mas te levanta comigo
e saiamos reunidos
a lutar corpo a corpo
contra as teias do malvado,
contra o sistema que reparte a fome,
e contra a organização da miséria.
.
Vamos,
e tu, minha estrela, junto a mim,
recém-nascida do meu próprio barro,
já encontrarás o manancial que ocultas
e no meio do fogo estarás
junto a mim,
com teus olhos bravios
alçando minha bandeira.
.
Do Livro: Os Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
SONET XXII
.
Quantas vezes, amor, te amei sem ver-te e talvez sem lembranças,
sem reconhecer teu olhar, sem fitar-te, centaura,
em regiões contrárias, num meio-dia queimantes:
era só o aroma dos cereais que amo.
.
Talvez te vi, te supus ao passar levantando uma taça
em Angola, à luz da lua de junho,
ou eras tu a cintura daquela guitarra
que toquei nas trevas e ressoou como o mar desmedido.
.
Te amei sem que eu o soubesse, e busquei tua memória.
Nas casas vazias entrei com lanterna a roubar teu retrato.
Mas eu já não sabia como eras. De repente
.
enquanto ias comigo te toquei e se deteve minha vida:
diante de meus olhos estavas, regendo-me, e reinas.
Como fogueira nos bosques o fogo é teu reino.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
A POBREZA
.
Ai, não queres,
te assusta
a pobreza,
.
não queres
ir de sapatos rotos ao mercado
e voltar com o velho vestido.
.
Amor, não amamos,
como os ricos querem,
a miséria. Nós
a extirparemos como dente maligno
que até hoje morde o coração do homem.
Porém não quero
que a temas.
Se vem, por minha culpa, à tua casa,
se a pobreza expulsa
teus sapatos dourados,
que não expulse o teu riso, que é o pão de minha vida.
Se não podes pagar o aluguel,
sai ao trabalho com passo orgulhoso,
e pensa, meu amor, que estou te olhando,
e juntos somos a maior riqueza
que jamais se reuniu sobre este mundo.
.
Do livro: Os Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
SONETO XXV
.
Antes de amar-te, amor, nada era meu
vacilei pelas ruas e as coisas:
nada contava nem tinha nome
o mundo era do ar que esperava.
.
E conheci salões cinzentos,
túneis habitados pela lua,
hangares cruéis que se despediam,
perguntas que insistiam na areia.
.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
caído, abandonado e decaído,
tudo era inalienavelmente alheio,
.
tudo era dos outros e de ninguém,
até que tua beleza e tua pobreza
de dádivas encheram o outono.
.
Do livro: Cem Sonetos de Amor
Tradução: Carlos Nejar
.
.
.
SE TU ME ESQUECES
.
Quero que saibas
uma coisa.
.
Tu já sabes o que é:
se olho
a lua de cristal, o ramo rubro
do lento outono em minha janela,
se toco
junto ao fogo
a implacável cinza
ou o enrugado corpo da madeira,
tudo me leva a ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fossem pequenos barcos que navegam
para essas tuas ilhas que me aguardam.
.
Pois ora,
se pouco a pouco deixas de me amar,
de te amar, pouco a pouco deixarei.
.
Se de repente
me esqueces,
não me procures,
já te esqueci também.
.
Se consideras longo e louco
o vento de bandeiras
que canta em minha vida
e te decides
a me deixar na margem
do coração no qual tenho raízes,
pensa
que nesse dia
a essa hora
levantarei os braços
me nascerão raízes
procurando outra terra.
.
Porém,
se cada dia,
cada hora,
sentes que a mim estás destinada
com doçura implacável,
Se cada dia se ergue
uma flor a teus lábios me buscando,
ai, amor meu, ai minha,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
do teu amor, amada, o meu se nutre,
e enquanto vivas estará em teus braços
e sem sair dos meus.
.
Do livro: Versos do Capitão
Tradução: Thiago de Mello
.
.
.
.
Pablo Neruda nasceu em 12 de julho de 1904, na cidade de Parral (Chile). Seu nome era verdadeiro era Neftalí Ricardo Reyes Basoalto. Começa a estudar por volta dos sete anos no Liceu para Meninos da cidade. Ainda em fase escolar, publica seus primeiros poemas no jornal “ La Manãna”.
No ano de 1920, começa a contribuir com a revista literária “Selva Austral”,
já utilizando o pseudônimo de Pablo Neruda (homenagem ao poeta tcheco
Jan Neruda e ao francês Paul Verlaine).
Em 1921, passa morar na cidade de Santiago e estuda pedagogia no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Em 1923 publica ‘Crepusculário” e no ano seguinte “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”, já com uma forte marca do modernismo. No ano de 1927, começa sua carreira diplomática, após ser nomeado cônsul na Birmânia. Em seguida passa a exercer a função no Sri Lança, Java Singapura, Buenos Aires, Barcelona e Madrid. Nesta viagens, conhece diversas pessoas importantes do mundo cultural. Em Buenos Aires, conheceu Garcia Lorca, e em Barcelona Rafael Alberti. Em 1930, casa-se com María Antonieta Hagenaar, divorciando-se em 1936. Logo após começou a viver com Delia de Carril, com quem se casou em 1946, até o divórcio em 1955. Em 1966, casou-se novamente, agora com Matilde Urrutia. Em 1936, explode a Guerra Civil Espanhola. Comovido com a guerra e com o assassinato do amigo Garcia Lorca, compromete-se com o movimento republicano. Na França, em 1937, escreve “Espanha no coração”. Retorna neste ano para o Chile e começa a produzir textos com temáticas políticas e sociais. No ano de 1939, é designado cônsul para a imigração espanhola em Paris e pouco tempo depois cônsul Geral do México. Neste país escreve “Canto Geral do Chile”, que é considerado um poema épico sobre as belezas naturais e sociais do continente americano. Em 1943, é eleito senador da República. Comovido com o tratamento repressivo que era dado aos trabalhadores de minas, começa a fazer vários discursos, criticando o presidente González Videla. Passa a ser perseguido pelo governo e é exilado na Europa. Em 1952, publica “Os versos do capitão” e dois anos depois “ As uvas e o vento”. Recebe o prêmio Stalin da Paz em 1953. Em 1965, recebe o título honoris causa da Universidade de Oxford (Inglaterra). Em outubro de 1971, recebe o Prêmio Nobel de Literatura. Durante o governo do socialista Salvador Allende, é designado embaixador na França. Doente, retorna para o Chile em 1972. Em 23 de setembro do ano seguinte, morre de câncer de próstata na Clínica Santa Maria de Santiago (Chile).
.
Obras:
Crepusculario.
Veinte poemas de amor y una canción desesperada.
Tentativa del hombre infinito.
El habitante y su esperanza. Novela.
Residencia en la tierra (1925-1931).
España en el corazón. Himno a las glorias del pueblo en la guerra: (1936- 1937).
Tercera residencia (1935-1945).
Canto general.
Todo el amor.
Las uvas y el viento.
Odas elementales.
Nuevas odas elementales.
Tercer libro de las odas.
Estravagario.
Cien sonetos de amor (Cem Sonetos de Amor).
Navegaciones y regresos.
Poesías: Las piedras de Chile.
Cantos ceremoniales.
Memorial de Isla Negra.
Arte de pájaros.
La Barcaola.
Las manos del día.
Fin del mundo.
Maremoto.
La espada encendida.
Invitación al Nixonicidio y alabanza de la revolución
.
.

2 comentários:

Anônimo disse...

Doutora, eu já vi que tudo que fazes é perfeito. O Pablo Nerudo é um dos melhores poetas do mundo.
Dá notícias. Beijinhos.

Carlos Coelho

Anônimo disse...

Oiê, miguxa! Hoje estou passando no seu blogger e ele está D+++++++!!!! Bem que o Maurício falou, esperamos a sua visita no nosso. Besos.

Ana Maria