sábado, 2 de agosto de 2008

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Canção Remota
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E estou aqui meu amor
na beira da minha vida
não distante do jardim
que volta da primavera
em busca daquela flor
deixada dentro de mim.
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É meu anjo debruçado
na janela de uma rosa
que o destino ofereceu
ao voltar da primavera
em busca daquela flor
que a tua vida me deu.
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Liga não... Viver assim
é um cântico de flauta
quando bate o coração.
E estar aqui à tua volta
é somente o estar aqui
para ouvir uma canção...
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Afonso Estebanez
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Epitáfio
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As ondas nascem,
as ondas morrem,
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num só minuto;
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mas o pensamento
pode eternizá-las.
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As rosas nascem,
as rosas morrem;
mas o pensamento
pode concebê-las imortais.
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Por isso eu vos tirei domar,
ó vagas!
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Por isso eu vos tirei do lodo,
ó rosas!
Porém vos fiz etéreas e flamantes,
para brilhardes sobre a poeira em que me tornarei.
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Péricles Eugênio da Silva Ramos
in "Lamentação Floral"(1919-1992)
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Simbólica
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Aquém da grade
do jardim modesto,
a giesta acena,
braços floridos.
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O aroma invade
o gracioso gesto
e o restringe
a estreitos laços
preferidos.
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Transeunte sou.
Entre a grade e o gesto
fica a dúvida exata.
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Apresso os passos,
esqueço o tempo.
O resto é cor, sem sentido,
de longínqua data.
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Elias Leite — Caminho de Versos
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Velha Interrogação
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Passa a vida? Continua…
Porque o tempo é que flutua,
como um rio de veludo,
sobre todos, sobre tudo...
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À sua imagem sonhamos:
de onde vimos? aonde vamos?
E o destino indiferente
vai impedindo a torrente...
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Passa a vida? Continua...
Com o tempo quem passa é a gente.
Mas, vida, se nós passamos,
de onde vimos? aonde vamos?
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Antonio Francisco da Costa e Silva — O Último Poema
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Soneto XVII
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Grato pelo mistério dessa graça
De ser paisagem neste olhar que chora,
Nas alamedas minerais de agora,
Sei que o tempo é sonhado e a vida passa.
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Que o segredo da sombra se refaça
Nas páginas de gelo de uma aurora;
Partimos, rumam passos morte afora,
Ficam somente os olhos na vidraça.
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Grato pelo mistério deste início,
Ser ondas, ser a praia, ser procura,
O sol e a treva, o fogo e o precipício.
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Sinto partir, acordo, sou um barco,
Mas quando encontro a mão que me segura,
Naufrago além das flechas de meu arco.
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Paulo Bomfim - Sonetos, l959
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Legenda dos Dias
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O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
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As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não vejo hoje, virá na outra jornada"...
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Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avança, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
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E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiantamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...
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Raul de Leoni(1895-1926)
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