sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Mulheres na Poesia

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Cecília Meireles
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Adélia Prado







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Adalgisa Nery








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Henriqueta Lisboa







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Maria Braga Horta







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Aglaia Souza





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Cora Coralina







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Zila Mamede


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Elegia
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Não retornei aos caminhos
que me trouxeram do mar.
Sinto-me brancos desertos
onde as dunas me abrasando
tarjam meus olhos de sal
dum pranto nunca chorado,
dum terror que nunca vi.

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Vivo hoje areias ardentes
sonhando praias perdidas
com levianos marujos
brincando de se afogar,
com rochedos e enseadas
sentindo afagos do mar.

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Tudo perdi no retorno,
tudo ficou lá no mar:
arrancaram-me das ondas
onde nasci a vagar,
desmancharam meus caminhos
- os inventados no mar:
depois, secaram meus braços
para eu não mais velejar.

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Meus pensamentos de espumas,
meus peixes e meu luar,
de tudo fui despojada
(até das fúrias do mar)
porque já não sou areias,
areias soltas de mar.
Transformaram-me em desertos,
ouço meus dedos gritando
vejo-me rouca de sede
das leves águas do mar.

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Nem descubro mais caminhos,
já nem sei também remar:
morreram meus marinheiros,
minha alma, deixei no mar.

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Pudessem meus olhos vagos
ser ostras, rochas, luar,
ficariam como as algas
morando sempre no mar.

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Que amargura em ser desertos!
Meu rosto a queimar, queimar,
Meus olhos se desmanchando
- roubados foram do mar.
No infinito me consumo:
acaba-se o pensamento.
No navegante que fui
sinto a vida se calar.

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Meus antigos horizontes,
navios meus destroçados,
meus mares de navegar,
levai-me desses desertos,
deitai-me nas ondas mansas,
plantai meu corpo no mar.
Lá, viverei como as brisas.
Lá, serei pura como o ar.
Nunca serei nessas terras,
Que só existo no mar.
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Zila Mamede
(1928-1985)
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Tempo de Poesia
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"Há um tempo para tudo e cada coisa
tem, debaixo do céu, o seu momento."

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Nasci em tempo de poesia. A morte
espero que também seja em seu tempo.

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Há tempos que não tive e não terei:
matar e destruir e atirar pedras,
tempos para odiar e fazer guerra.
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Procuro, quando encontro as coisas más,
curar, edificar, juntar as pedras,
fazer do ódio, amor; da guerra, a paz.

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O que plantei (e apenas plantei flores)
não arranquei. Talvez o vento arranque.
Mas serão, outra vez, suas sementes
outras plantas iguais com novas flores
iguais, em qualquer ponto sobre a terra:

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Outros tempos marcados de contrastes
(chorar e rir; gemer, dançar; o abraço
e o afastar-se de abraçar; a busca
e a perda) são os trâmites da vida
por onde passas e por onde eu passo.

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Tempos para guardar e atirar fora
outros têm, não eu, que apenas tenho
a partilha do pão de cada dia.

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De rasgar e coser tenho os dois tempos
num só – cíclico e prático sistema:
rerrasgar, recoser o mesmo pano...

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Em calar e falar: o tempo, e o tema
que a ninguém cause espanto ou cause dano.

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Tempos de se esperar ou de escolher
são esses, de vivência interrompida.

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Só seu tempo imutável, sob o céu,
tem quem nasce poeta. Embora inútil,
tempo de poesia é toda a vida.

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Maria Braga Horta
(1913-1980)

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Expectativa
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Neste instante em que espero
uma palavra decisiva,
instante em que de pés e mãos
acorrentada estou,
em que a maré montante de meu ser
se comprime no ouvido à escuta,
em que meu coração em carne viva
se expõe aos olhos dos abutres
num deserto de areia,
— o silêncio é um punhal
que por um fio se pendura
sobre meu ombro esquerdo.
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E há uma eternidade
que nenhum vento sopra neste deserto!
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Henriqueta Lisboa
(1904- 1985)

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Rumos Errados
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A caminhada ...
Amassando a terra.
Carreando pedras.
Construindo com as mãos
sangrando
a minha vida.
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Deserta a longa estrada.
Mortas as mãos viris
que se estendiam às minhas.
Dentro da mata bruta
leiteando imensos vegetais,
cavalgando o negro corcel da febre,
desmontado para sempre.
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Passa a falange dos mortos ...
Silêncio! Os namorados dormem.
Os poetas cobriram as liras.
Flutuam véus roxos
no espaço.
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Cora Coralina
(1889-1995)
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Reinvenção
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A vida só é possível
reinventada.

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Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.
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Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
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Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
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Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
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Só — na treva,
fico: recebida e dada.
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Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
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Cecília Meireles

(1901–1964)
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Ensinamento
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Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.
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Com licença poética
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Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.
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Adélia Prado (1935)


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Pensamentos que reúnem um tema
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Estou pensando nos que possuem a paz de não pensar,
Na tranqüilidade dos que esqueceram a memória
E nos que fortaleceram o espírito com um motivo de odiar.
Estou pensando nos que vivem a vida
Na previsão do impossível
E nos que esperam o céu
Quando suas almas habitam exiladas o vale intransponível.
Estou pensando nos pintores que já realizaram para as multidões
E nos poetas que correm indefinidamente
Em busca da lucidez dos que possam atingir
A festa dos sentidos nas simples emoções.
Estou pensando num olhar profundo
Que me revelou uma doce e estranha presença,
Estou pensando no pensamento das pedras das estradas sem fim
Pela qual pés de todas as raças, com todas as dores e alegrias
Não sentiram o seu mistério impenetrável,
Meu pensamento está nos corpos apodrecidos durante as batalhas
Sem a companhia de um silêncio e de uma oração,
Nas crianças abandonadas e cegas para a alegria de brincar,
Nas mulheres que correm mundo
Distribuindo o sexo desligadas do pensamento de amor,
Nos homens cujo sentimento de adeus
Se repete em todos os segundos de suas existências,
Nos que a velhice fez brotar em seus sentidos
A impiedade do raciocínio ou a inutilidade dos gestos.
Estou pensando um pensamento constante e doloroso
E uma lágrima de fogo desce pela minha face:
De que nada sou para o que fui criada
E como um número ficarei
Até que minha vida passe.

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Adalgisa Nery
(1905 — 1980)


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Hari Sari
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— Quero casar-me virgem, divulgava
E os sedutores se retinham, transtornados.
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De cor sabia o Alcorão e o Gita,
o Tao Te King, o Popol Vuh e a Biblia.
De quebra,
eficiente executiva,
modelo grego, de beleza olímpica,
moderna, refinada, virtuosa
era invencível no xadrês dos mestres,
em tiro ao alvo, no flamenco puro,
tai-chi, rappel, judô e capoeira.
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O pai, de olho profético, estimava:
— Tem equilíbrio. É rústica e suave.
Saberá defender-se e preservar-se.
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Casou conforme quis, mulher inteira.
Fez-se budista, unida a um monge, casto,
enquanto os sedutores transtornados
lançaram-se à fogueira
entre pôsters do Buda e Dalai-lamas.

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Adelaide Petters Lessa



Adelaide Petters Lessa nasceu em São Paulo. É educadora, psicóloga clínica, doutora em Ciências Humanas pela USP, professora universitária. Publicou, em prosa, Precognição, Paragnose do Futuro, Videntes do Cristo. Em poesia, Amoressência, O jogo do êxtase, Augusto.

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Marché Aux Puces

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Eu troco várias luas
pelo sol
pelo brilho
pelo azul.
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Permuto muitas noites
pelo verde
pela tarde
pelo dia.
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Cambio toda a terra
pelo ar
pelo vento
pelo mar.
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Escambo esta chuva
pelo canto
pela dança
pela praia.
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Aglaia Souza


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Amor
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Outr'ora eu te buscava na confiança
De achar em ti, Amor, o bem superno,
E o jovem coração, todo esperança,
Por que te cria um deus, julgou-te eterno.
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Mas, de mudança andar para mudança,
De um inferno rolar para outro inferno,
Descrente acreditei que tudo alcança
Quem te pode evitar, veneno interno.
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Hoje, que empós do Ideal, de tal maneira,
Que mais parece célere corrida,
Vou na insânia infeliz desta canseira,
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Eu te olho e te abençôo agradecida,
Como a ilusão melhor, mais verdadeira,
Entre as fugazes ilusões da vida ...

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Amélia Tomás


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