terça-feira, 31 de março de 2009

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TASSO SILVEIRA
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É preciso não acordar os homens.
É preciso que se encha o mundo de doçura infinita,
de infinito silêncio,
porque os homens estão fatigados, fatigados...
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"O artista canta agora a realidade total:
A do corpo e do espírito,
A da natureza e a do sonho,
A do homem e a de Deus".
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"Aqui está, meus irmãos, a argila viva, acumulada em jazidas inesgotáveis.
Vamos por mãos ao trabalho prodigioso.
Os ritmos profundos
Acordam neste instante,
Nas mais secretas profundidades de nosso espírito.Vamos criar as formas inumeráveis,
Infatigavelmente,
Para que, sem cessar, escorra nelas
O pensamento de Deus
E, assim, possamos, na verdade,
Concretizar em beleza humana
Um pouco
Da sua infinita
Plenitude...".
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TORRE

Os ventos altos
vindos das distâncias perdidas
bateram a torre do meu corpo.
Bateram a torre esguia e longa
e puíram-lhe os ornamentos raros,
desfiguraram-lhe a feição de beleza,
como o mar milenário
desastou as arestas vivas dos rochedos
imemoriais.
Não apagaram, porém, a lâmpada
solitária e serena
que ardia no silêncio...
e os meus olhos, rosáceas claras, abertas
para a paisagem
do teu ser,
ficaram coando sempre o clarão suave e leve,
ficaram adolescentes
para sempre...

(Alegria do Mundo, 1940)
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MARINHA

Teu corpo é mar
com frêmitos frescos de ondas
e fosforescência de espumas.

.Teu corpo é profundidade equórea,
filtrando sol,
mas cheia de sombras vivas
de sargaços, anêmonas, corais.

.Quando ele me envolve, é totalmente,
mortalmente.
Anula-me no que sou.
Reduz-me a uma alga inerte
que não sabe do seu destino
no seio do imenso balouço imemorial.

.E quando retorno do mergulho trágico,
teu corpo escorre de mim, como uma túnica líquida.
Só então, volto a ser de novo,
respiro o grande ar da vida.

. Teu corpo é abismo equóreo,
teu corpo é mar...

Poema integrante da série Alegria do Mundo.
In: SILVEIRA, Tasso da.
O canto absoluto; seguido de Alegria do mundo: poemas.
Rio de Janeiro: Cadernos da Hora Presente, 1940. p.133
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POESIA 17

.Esquece o tempo. O tempo não existe.
Acende a chama às límpidas lanternas
Nossas almas, a ansiar no mundo triste
são de uma mesma idade: são eternas.

Se no meu rosto lês mortais cansaços,
é natural.A luta foi renhida:
caminhei tantos passos, tantos passos
para que te encontrasse em minha vida...
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Não medites o tempo. Se muito antes
de ti cheguei, para a áspera, inclemente
sina de navegar por este mar,
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foi para que tivesse olhos orantes,
e me purificasse longamente
na infinita aflição de te esparar...
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NOTURNO

Veleiro ao cais amarrado
em vago balouço, dorme?
Não dorme. Sonha, acordado,
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

Se acaso me objetardes
que veleiro não é gente
e, assim, não sonha nem sente,
sem orgulhos nem alardes
eu direi: por que haveria
de falar-vos do homem triste
mas de olhar grave e profundo
que, à amargura acorrentado
sonha, no entanto, que vive
toda a beleza do mundo?
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Melhor é dizer: Veleiro...
veleiro ao cais amarrado,
sob as límpidas estrelas.
Vela branca é uma alma trêmula,
sobretudo se cai sombra
do alto abismo constelado.
Veleiro, sim, que não dorme
mas na silente penumbra
sonha, ao balouço, acordado
que vai pelo mar enorme,
pelo mar ilimitado.

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ENCANTAMENTO

. A tarde jogou os seus sete véus luminosos
sobre a montanha
e ficou toda nua dançando
com sombras de crepúsculo
a escorrerem-lhe, suaves, pela pele dourada...
...e ficou toda nua dançando
na campina
ao som da harpa encantada do silêncio...
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Publicado no livro As Imagens Acesas: Poemas, 1924/1927 (1928).
In: POETAS do modernismo: antologia crítica.
Org. Leodegário A. Azevedo Filho.
Brasília: INL, 1972. v.4, p.56.
(Literatura brasileira, 9C)

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Tasso Azevedo da Silveira (Curitiba, 1895 — Rio de Janeiro, 1968) foi um escritor brasileiro.
Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Foi um dos representantes da ala espiritualista do modernismo, ao lado de Cecília Meireles e Tristão de Ataíde. Pertenceu ao grupo da Revista Festa, da qual foi um dos fundadores. Estreou como poeta com Fio d'Água, em 1918, tendo adotado o verso livre a partir do terceiro livro, Alegorias do Homem Novo, em 1926.
Era filho do poeta simbolista Silveira Neto. Colaborou em diversas revistas literárias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Lecionou literatura portuguesa na Universidade Católica e na Faculdade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Sylvia, llegó abril y con ello el blog anuncia nuevas notas. Hacé clik aquí http://elperroelocuente.blogspot.com

Jorge Aloy