segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

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Poema da Madrugada
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SOU UM ESTRANGEIRO NESSE MUNDO
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Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso. Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.
Sou um estrangeiro para meus parentes e amigos. Quando encontro um deles, penso:"Quem é ele? Onde o encontrei? Que me une a ele? Por que me aproximo dele e o freqüento?"
Sou um estrangeiro para minha alma. Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz. Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma. Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.
Sou um estrangeiro para o meu corpo. Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.
Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem, gritando: "Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude." Fujo deles. Mas encontro outro grupo de raparigas que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: "É surdo como uma pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo." Deixo-as, correndo. Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: "É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua." Fujo deles com medo. E encontro um grupo de velhos que apontam para mim com dedos trêmulos, dizendo: "É um louco que perdeu a razão ao freqüentar as fadas e os feiticeiros."
Sou um estrangeiro, e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.
Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, freqüentado por cobras e insetos. Se sair à luz, a sombra do meu corpo me segue, e as sombras de minha alma má precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo. E quando chega a noite, volta para casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.
Idéias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos. E almas de nações esquecidas me fitam. Interrogo-as, recebendo por toda a resposta um sorriso. Quando procuro segurá-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.
Sou um estrangeiro neste mundo. Sou um estrangeiro, e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma da minha alma.
Caminho pela selva inabitada, e vejo os rios correrem e subirem do fundo do vale ao cume da montanha. E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas, e florirem, e frutificarem, e perderem suas folhas num só minuto. Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.
E as aves do céu voam, pousam, cantam gorjeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelo solto e pescoços esticados. E olham para mim com sensualidade. E estendem suas mãos brancas e perfumadas. Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irônicos.
Sou um estrangeiro neste mundo.
Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em verso, e em versos o que a vida põe em prosa. Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria...
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Gibran K. Gibran
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6 comentários:

Unknown disse...

Obrigado por esta postagem. Veio ao encontro de algum sofrimento na incerteza que me atormenta na procura da Verdade eterna.
Não podemos materializar as coisas imateriais. As duvidas costumam fortalecer mas muitas vezes vou caindo como se me tivesse perdido do caminho certo.

Anônimo disse...

Olá, Sylvia, tudo bem?

2009 está só começando, mas nós já estamos maquinando o que fazer
para melhorar ainda mais o BlogBlogs.

Mas, sem ouvir o que você pensa, qualquer mudança que façamos não vai
ter resultados satisfatórios tanto pra nós quanto pra você.
Por isso, saber como você utiliza o BlogBlogs e o que podemos melhorar,
muito nos interessa.

Para ouvir você, bolamos uma pesquisa online com 10 perguntinhas. Não
vai ser (muito) chato e demorado! É pá-pum, alguns clicks e você está
dispensado.
Colabora com a gente, vai, responde aí ;-)

https://www.webcointernet.com/sendstudio/link.php?M=159194&N=37&L=25&F=T

Muito muito obrigado!

MANOEL NETTO
Gerente de Produto
Blogblogs.com.br

Anônimo disse...

El perro anuncia nuevas entradas en www.elperroelocuente.blogspot.com
El diccionario del diablo de Bierce, Y Oscar Wilde se pregunta "¿leer o no leer?
Jorge Aloy

Anônimo disse...

Obrigado, querida amiga, pelas palavras empáticas com que me brindou. Foi uma boa prenda nesta quadra festiva.
Sylvia, boa amiga.
com amor
DC

prafrente disse...

Tudo na vida é muito subjectivo.
Onde é a minha verdadeira pátria?Enquanto "peregrino" terrestre ela está onde se encontra a totalidade do meu ser.E quando eu partir de viagem...para a outra margem?Haverá outra pátria?Quem tem razão,a emoção da teologia ou a racionalidade do cientista?

Não nego a Fé mas não posso fugir ás evidências da ciência.Não aceito absolutismos sejam religiosos ou científicos.Tenho dúvidas e por isso continuo procurando respostas...e essa luta diária continuará pela vida fora porque para cada resposta encontrada nova questão se levantará...

Bom fim de semana.

bjinho de Portugal

Tentativas Poemáticas disse...

Olá amiga Sylvia
Finalmente encontrei o seu endereço e deparo logo com um amigo comum: uma pessoa que estimo e que fico contente por ser seu seguidor: Direitinho.
Vou passar, certamente a visitá-la mais assiduamente.
Achei o seu texto-poético deveras interessante.
Muito obrigado pela sua agradável visita.
Beijinho
António