domingo, 28 de dezembro de 2008

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Carolina Vigna - Marú
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Editora, designer e ilustradora. É também amante de animação e fotografia.
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ANGÚSTIAS DE UMA ESPERA
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Deixei o telefone no máximo na esperança de você ligar.
Percorri bares, restaurantes, esquinas, lares.
Te escrevi dezenas de cartas que nunca entreguei.
Arrumei a casa.
Comprei roupa.
Fui aos lugares que você freqüenta.
Tentei largar o cigarro.
Me perfumei.
Me tornei feminina.
Mudei meu horário.
Emagreci.
Amei os teus.
Te liguei, disseram que tinha saído.
Te pedi, você não respondeu.
Fiz planos.
Comprei espartilho, cinta-liga e lingerie.
Te fiz cafuné.
Me fiz disponível.
Consertei a cama.
Comprei lençóis.
Fiz cópia da chave para o caso de você ficar.
Tomo pílulas para o caso de você querer.
Carrego sua foto na minha carteira.
Aprendi a andar no seu bairro.
Chorei por você.
Ri com você.
Ri de você.
Não me importei com seu atraso.
Inventei você ao meu lado.
Te convidei para entrar.
Te convidei para ficar.
Te contei tanto.
Te dei a chave.
Te desejei.
Te atrapalhei.
Te sufoquei.
Te matei.
E você nem percebeu.
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CARTA A UM AMIGO
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Escrevo por impulso.
Talvez isso não faça qualquer sentido, mas decidi correr o risco.
"... Carrega nos seus braços a criança chorosa...
Mas nos seus braços a criança estava morta..."
O despertar de um pesadelo é muitas vezes mais cruel.
É belo o amanhecer, porque é o sorriso
daqueles que me esperaram.
Coloquei o roteiro em uma gaveta, esperando madurar,
como o desenho de
uma música qualquer.
Tenho fôlego.Johann Wolfgang von Goethe.
A febre foi contida.
A realidade me acalenta.
Ich liebe dich.
Gostaria de acreditar em histórias com começo, meio e fim.
São fantasias que se realizam, outras que nascem,
e a história continua, como um peão de criança em festa junina.
Gostaria de acreditar em destino, mas não consigo.
São idas e vindas que traçamos com absoluta consciência
e vontade.
Gostaria de acreditar em paixão, mas não consigo.
O tempo vagarosamente
provou o contrário.
Apenas cúmplices de uma vida.
"Gracias a la vida, perfectamente distingo lo negro del blanco".
Gostaria de acreditar na razão, mas não consigo.
Gostaria de acreditar em sonhos.
Felizmente, ainda consigo.
O racional e lógico não me dizem mais nada.
No sonho e no desejo encontro o que procuro.
Semi-platônicos, ainda não realizados.
Um desejo quase impune por ser autista.
O desejo de um amor que emule a vida
que anule a morte
O cansaço me vence.
Boa noite.
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CUSTOS
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Você ainda se surpreende.
Mérito meu.
Você ainda gosta.
Mérito seu.
Custo a compreender sua lógica,
se é que existe uma.
Custo a compreender minhas razões.
Elas não existem.
Enquanto isso, você pensa em custos.
Tenho a absoluta certeza de nossa temporalidade.
Me irrito com o desperdício.
Me falta a paciência, me falta tempo.
O tempo é pouco, sempre será.
A consciência da morte não me desespera,
apenas me apressa.
Não temos tempo.
Nunca o teremos.
Não bastamos.
Seu egocentrismo exacerbado destrói seu prazer.
E você pensa em custos.
Custos. Que custos?
Não somos únicos.
Não somos os melhores.
Nunca o seremos.
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UMA HISTÓRIA SEM FIM
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Ele chegava tarde.
Ela chorava com filmes antigos.
Ela tinha uma tia solteirona.
Ele não conheceu o pai.
Família rica, família pobre.
No início transavam como loucos.
No final faziam amor.
Ela aprendeu a dançar.
Ele aprendeu datilografia.
Suas presenças sempre foram fortes, incomodavam.
Falavam línguas diferentes,
uma verbal, a outra corporal.
Na verdade, nunca se entenderam
porque nunca se comunicaram.
Mas se conheciam.
Ao invés de terem filhos, tiveram gatos.
Ao invés de viverem, trabalharam.
Ao invés de se amarem, viviam.
Tentaram se ajustar ao outro.
Grave engano.
O que os seduzia era o original.
Por excesso de amor, afogaram o amor.
Entretanto, vivem, ainda,
na mais absoluta harmonia.
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ALÍVIO 1
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Num rompante percebi
que não mais te pertenço
sequer preciso foi balanço
como lilás floreci
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Sazonei-me em ti
curei-me deste andaço
não mais abafadiço
Livre então parti
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Noto o mundo fenestro
felix culpa me coube
Creia nosso amor não fugaz
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Sigo agora ao encontro
com o eu que nunca houve
Sigo agora em busca da paz
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ALÍVIO 2
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Se soubesse do sofrimento,
se ouvisse a dor,
se lembrasse a cor,
terias ao invés da ruína crescimento.
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Careço de renascimento,
livrai-me deste dessabor,
dai-me amargo calor,
não mais pestilento.
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Estou além de cansada,
és pústula sem rumo,
chalaça sórdida.
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De suas ofensas faço-me calada,
víspere! Volte a ser humo,
Existência mórbida.
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TONS
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Fico absolutamente estarrecida
ao notar que ainda temos chances.
Uma amiga em comum
me confidenciou
que você me vê como
algo concreto.
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Eu te vejo como éter,
Metade super-homem,
metade bicho,
completamente sem
definição,
amorfo.
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Penso em você como
alguém a telefonar.
Você pensa em mim
deitada na cama
de pernas abertas.
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Gosto disso.
Um homem admirável
me desejando como carne,
misturando a minha imagem
em sua fantasia
com qualquer outra.
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Talvez eu precise
de um homem
das cavernas mesmo.
Não tenho certeza.
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Você fuma muito
e bebe mais ainda.
Um sentido de
autodestruição fantástico.
Isso tem o seu lado bom:
você vai entender
quando eu começar a desenhar,
a me afundar em
um mundo que mente.
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O mundo do desenho mente,
mostra uma realidade
que não existe.
Planos que não existem,
cores inventadas,
uma vida que está morta.
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Nesse mundo sombrio
do semitom
consigo te compreender,
fugindo da realidade
com uma ópera que é só sua.
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Escapando, quase,
e nessa escapada
você me deseja.
Me deseja como
a outra qualquer.
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Nesse mundo as nuances
são fundamentais
e os contornos imprecisos.
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Essa sua indecisão
me conforta.
Me permite ser cinza,
me permite ser sombra.
Apenas sendo fosca
posso emitir luz.
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Obrigada.
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"A Morte - Este foi o primeiro texto que eu publiquei na vida. Eu tinha 12 anos de idade e isso, por favor, deve ser levado em consideração. Desde então vivo nesse meio editorial. Às vezes mudando a mídia, o tipo de veículo, a forma de colaboração, mas a vida toda envolvida em algum processo editorial".

Como chegamos ao ponto em que nosso coração bate mas estamos mortos?— Carolina Vigna Prado (meu nome de solteira, às vezes eu assinava só Carolina Vigna também)
“Esse texto tem um grande valor: é inteiramente desprovido de qualquer teoria e possui, intuitivamente, uma forma simples e direta de ligar com o tema da morte: pelo humor. É um texto escrito de ouvido, e de vida. Por uma menina de 12 anos de idade.”
ilustração: CRETIN (Dessin d’humour - Planète)
Acho que quando as pessoas dizem a expressão “Prefiro a morte” na verdade a temem. A morte para essas pessoas é o corte de seus sofrimentos, e não a queda da vida.
Antes de falar da morte, prefiro falar da vida. Na verdade, o que é a vida, uma vida sem sofrimentos, decepções, nem tristezas e fossas? Essa vida não existe. Pois para alguém ser feliz, precisa antes ser triste, sofrer, ficar na fossa, ter decepções. Porque sem conhecer o buraco em que se cai, não se reconhece quando se sai dele. Bem, assi mjá estou entrando na morte: quando alguém cai nesse buraco sem fundo, e não reconhece quando saiu, está na morte, pois ficará procurando para o resto da vida, ou melhor da morte, uma entrada para uma saída, e esta saída é a entrada. Nesse ponto a pessoa pára de viver. Então morre.


Cadernos de Psicanálise, maio de 1984, ano 3 - nº 4
Órgão oficial da Sociedade de Psicologia Clínica do Rio de Janeiro
Instituto de Psicanálise
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Carolina, boa noite. Li alguns poemas de sua autoria, na Casa do Bruxo, e adorei. Tomei a liberdade de postá-los no meu blogger.Você me autoriza a postá-los?Caso não aceite, tirarei imediatamente. Querida, você escreve muito bem, com muita sensibilidade. Parabéns.
Grande abraço.
Sylvia
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Sylvia,
Sem problemas. A única coisa que faço questão mesmo é o crédito com um link para vignamaru.com.br, ok?
Um grande beijo,
Carolina
ps: um fantástico 2009 para você e todos os seus!
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4 comentários:

Unknown disse...

Não poderei comentar tão belos poemas. felicito-a pela sua escolha.
A beleza das palavras e o conseguir ordena-las assim é mesmo uma arte para alguem.
Estou muito identificado com o primeiro poema´, não como mulher que espera mas como homem que procura e não desiste.
Até se adapta a viver e conviver nos ambientes que lhe possam trazer alguma coisa do outro ou a encontrá-lo nesses locais.

prafrente disse...

Mas que inspiração!!!

O coração tem razões que a razão desconhece.É o eterno dilema entre a razão e a emoção.

Bom Ano Novo, cheio de Paz.

Um abraço de Portugal

Anônimo disse...

Fiquei muito feliz que vocês tenham gostado dos poemas.
Obrigada pelo cuidado tão carinhoso na escolha das ilustrações.
Um forte beijo para todos,
Carolina.

Estações da Vida disse...

Carolina querida, agradeço de coração a oportunidade de mostrar aos meus amigos os seus lindos poemas. Precisamos postar mais poemas da Carolina Vigna. Grande beijo.