domingo, 3 de agosto de 2008

.
.
Palavras de Saint - Exupéry
.
.
Com amor e carinho, dedico essa página
aos meus filhos Sávio, Saulo,
Rui Filho e Lívia.
São palavras leves e cheias
de sabedoria.
.
.
.
.
As tempestades, a bruma, a neve, muitas vezes essas coisas
o incomodarão. Pense então em todos os que conheceram isso antes
de você e diga assim: o que eles fizeram eu também posso fazer.
.
.
Construiste tua paz tapando com cimento, como fazem as térmitas, todas
as saídas para a luz. Ficaste enroscado em tua segurança burguesa, em tuas
rotinas, nos ritos sufocantes de tua vida provinciana; ergueste essa humilde
proteção contra os ventos, e as marés, e as estrelas.
.
.
Ninguém te sacudiu pelos ombros quando ainda era tempo.
Agora a argila de que és feito já secou, e endureceu, e nada mais poderá
despertar em ti o músico adormecido, ou o poeta, ou o astrônomo
que talvez te habitassem.
.
.
Lá fora as montanhas estão mergulhadas nas trevas, mas não são
mais montanhas. São potências invisíveis das quais é preciso
calcular a aproximação.
.
.
E nos sentimos perdidos no espaço interplanetário, entre cem planetas
inacessíveis, à procura do único planeta verdadeiro, do nosso, do único planeta
onde estavam nossas paisagens familiares, nossas casas amigas,
nossas ternuras...
.
.
No centro do perigo o homem conserva suas inquietações.
.
.
As necessidades que um ofício impõe transformam e enriquecem o mundo.
.
.
A vida nos separa talvez dos companheiros, e nos impede de
pensar muito nisso. Eles estão em algum lugar, não se sabe bem onde,
silenciosos e esquecidos...
.
.
Assim vai a vida. A princípio, enriquecemos; plantamos durante
anos, mas os anos chegam em que o tempo destrói esse trabalho,
arranca essas árvores. Um a um, os companheiros nos retiram sua
sombra. E aos nossos lutos mistura-se então a mágoa secreta de envelhecer.
.
.
A grandeza de uma profissão é talvez, antes de tudo, unir os homens;
só há um luxo verdadeiro: o das relações humanas.
.
.
Trabalhando só pelos bens materiais construímos nós mesmos
nossa prisão. Encerramo-nos lá dentro, solitários, com nossa moeda
de cinza que não pode ser trocada por coisa alguma
que valha a pena viver.
.
.
Se procuro entre minhas lembranças as que me deixaram um gosto durável,
se faço o balanço das horas que valeram a pena, certamente só
encontro aquelas que nenhuma fortuna do mundo ter-me-ia
presenteado. Não se compra a amizade de um Mermoz, de um
companheiro a quem estamos ligados para sempre pelas
provas sofridas juntos.
.
.
Esta noite de vôo e suas mil estrelas, esta serenidade, esta soberania
de algumas horas, o dinheiro não compra.
.
.
Esta face nova do mundo depois de uma etapa difícil, estas árvores,
estas flores, estas mulheres, estes sorrisos docemente
coloridos pela vida a que regressamos de madrugada, este
mundo de pequenas coisas que nos recompensam,
o dinheiro não compra.
.
.
O homem sente-se envolvido em uma espécie de acidente cósmico.
Não há mais refúgio.
.
.
O que salva é dar um passo. Mais um passo. É sempre
o mesmo passo que se recomeça...
.
.
Ser homem é precisamente ser responsável. É experimentar vergonha em face
de uma miséria que não parece depender de si. É ter orgulho
de uma vitória dos companheiros. É sentir, colocando a sua
pedra, que contribui para construir o mundo.
.
.
Em um mundo em que a vida se une tanto à vida, em que as flores amam
as flores no leito dos ventos, em que o cisne conhece todos os
cisnes, só os homens constroem a sua solidão.
.
.
Entre um e outro homem o espírito reserva um estranho espaço.
.
.
Como é estreito o cenário em que se representa a peça dos ódios,
das amizades, das alegrias humanas!
.
.
De onte foram tirar os homens esse gosto de eternidade, vivendo
ao acaso, como vivem, sobre uma lava ainda morna, já
ameaçados pelas neves ou pelas areias do futuro?
Suas civilizações são enfeites bem frágeis: um vulcão
as apaga, ou um mar novo, ou um vento de areia.
.
.
Esquecemos que a vida, aqui como em toda parte, é um luxo,
que em parte nenhuma a terra é bem profunda
sob os passos do homem.
.
.
Habitamos um planeta errante.


Nenhum comentário: