sábado, 2 de maio de 2009

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MÃE
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............Um livro é um caminho. Minha mãe se transporta para um mundo de rainhas e faraós, paixões proibidas, complôs, pirâmides e areias quentes do deserto. As contrações uterinas estão se intensificando. Respira fundo e volta a ler.
.......... - Dona Ruth, pare com essa arrumação e vá ter essa menina em paz! Retorquiu a criada, velha cachimbeira, com muitos anos de estrada na arte de trazer vidas ao mundo.
..........- Tiquinha, quando chegar a hora, ela sai.
..........A anciã, contrariada, finge estar arrumando alguma coisa na cozinha.
..........Um filho é outro caminho...Essa mulher singular, guerreira, altiva, amorosa, está na quarta gestação. Todas as mães, mesmo as menos amorosas, as mais displicentes, merecem a nossa gratidão. Carregar no ventre, por nove longos meses, um ente, que rouba-lhes os nutrientes, causa-lhes enjôos e desconfortos e, após vir ao mundo,continua a sugar-lhes a vitalidade, é ato de grande heroísmo. Mas filhos são dons de Deus e devem ser amados, sempre...
..........- Tiquinha, está na hora! E põe o livro na mesa da cabeceira.
..........Incontinênti, chega a criada, faz um exame e uma reza com folhas de pinhão roxo e de arruda.
..........- Vamos, dona Ruth, força! Já está coroando!
..........É noite. Chuva torrencial cai no telhado. Nossa casa, sem forro, está úmida e sinto frio. Mãinha já está ao meu lado, com uma lamparina nas mãos, velando por mim. O meu anjo da guarda lava-me os pés com água morna, sujos após longas horas de brincadeiras, cobre-me a rede com um toldo, para não me caírem respingos da chuva e me aquece com mais um lençol. Quem tem uma mãe como a minha, o que mais quer na vida?
..........É o dia da formatura. Dona Ruth está linda e se regozija com a vitória da filha. Quanto sacrifício, de quantas coisas se absteve, para comprar-me os livros caros, o primeiro jaleco e os vindouros, o estetoscópio e o anel de esmeralda. De presente, deu-me uma colcha italiana, com um pedido para que eu a usasse somente em ocasiões muito especiais.
..........A morte é um caminho. Surge " a que nos rouba os tesouros", infalível, pujante, veloz. É Semana Santa... Não há palavras para expressar tais sentimentos...Um misto de impotência, de desespero...algo imensurável...uma dor horrível, a nos rebentar as entranhas e o coração em milhões de pedaços!
..........E hoje é seu aniversário... Depois que ela partiu, as coisas mudaram. O seu violão, o cavaquinho e o pandeiro aqui estão, mas quem os tocará?Quem sentará na calçada à noite,aos domingos e entoará lindas canções? Quem regará as flores do jardim e conversará com elas? Quem enfeitará a casa para o Natal, encherá a árvore de presentes, fará o peru recheado da ceia e dirá: " Sylvia Narriman, venha cá." Quem, com a sua presença, inundará o nosso lar de paz e harmonia? No meu coração, semeio e colho flores de amor, carinho, respeito e gratidão - são da mãinha.
..........Aceitar a finitude da vida é um caminho...Um dia lá chegarei, com a certeza de que um anjo enfeitou-me todas as veredas, encheu-me os dias de luz e de alegria e deixou-me, como legado, a melhor parte de si: o seu amor de mãe, a guerreira...
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Sylvia Narriman Barroso
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Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?.
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento...

( Drummond)

8 comentários:

Unknown disse...

Bom dia querida Amiga e Parabéns por ser filha e também ser Mãe.
No seu escrito conseguiu com muita perfeição falar da sua Mãe como Mãe e de si como filha e Mãe. Aquilo que recebeu, deu e se continua no tempo e na vida de cada dia até ao momento em que tudo termina.
É difícil conseguir juntar as duas ideias num único tema e prolonga-las no tempo que ainda temos e vamos vivendo.
Também já não tenho Mãe desde 1989 mas sempre a recordo com muita saudade e carinho como se ela ainda vivesse por aqui nesta casa por onde também eles passaram.
Olhei à pouquinho para o jardim e disse para uma rosa branca:
- Hoje vais comigo visitar a minha Mami.
Quando sairmos eu levo-te lá e espero que o seu coração volte a brilhar de amor, carinho e muita bondade que sempre teve.
Fica-nos em caminho e será um modo de fazer também por ela uma pequena oração.

Hoje não tenho em casa os meus filhos e a minha mulher vai sentir essa ausência. Vou convidá-la para irmos a Fátima e passar lá uma parte do nosso dia junto da Mãe de todos nós. Cristo deu-nos uma super Mãe e que ela guarde as nossas Mães lá no Céu.

Zica Cabral disse...

querida Sylvia, publiquei a resposta à sua resposta no meu blog mas, como quero que a leia publico-a aqui tb.

“.....temos de abrir mão de ilusões, expectativas e dependências. Temos de superar expectativas impossíveis em relação à vida e às pessoas..."
querida Sylvia obrigado pelas suas palavras. Vc tem a arte de sentir as minhas palavras , de as compreender e de falar dos pontos importantes subjacentes.

Mas....... desistir de ilusões, expectativas e dependencias.........parece-me muito cruel como meio de atingir uma maturidade.
Sim, claro que sei que as nossas expectativas em relação aos outros, são muitas vezes a projecção dos nossos desejos e nao correspondem a realidade dessa mesma pessoa. Queremos, muitas vezes, intrepretar os sinais que os outros nos mandam como as respostas que ansiamos por ouvir.....E nem sempre interpretamos esses sinais de maneira correcta . Dependencias..................sim, ha dependencias extremamente negativas mas outras, muito positivas. As dependencias internas, emocionais. As que se alimentam do feedback do/dos outro/os. As dependencias que vivem ao mesmo tempo, da tomada de consciencia de que cada individuo e unico mas que a suas inter-relações são muito importantes para o crescimento da teia social que o envolve. Essas dependencias nao devem nunca ser cortadas..........em meu entender.
Concordo em absoluto em "superar expectativas impossiveis em relação à vida e as pessoas".
Em relação a vida é engraçado, porque nunca tive muitas expectativas, nunca criei metas a antingir com antecedencia, a não ser as basicas. Sempre vivi a minha vida ao sabor do que me aparecia. As voltas e reviravoltas que a minha vida ja deu são impossiveis de planear porque surgem, de repente, sem aviso previo. E eu fui agarrando os desafios que nem sonhava serem possiveis. E posso dizê-lo , com sucesso. Nem todos foram bons ou faceis. Mas a grande maioria foi muito boa e a minha auto confiança foi superando as dificuldades. Isto, mais a nivel profissional do que pessoal. Mas, nesse capitulo tb nao tenho que me queixar muito. Tenho vivido experiencias incrivelmente positivas. Umas fazem sofrer mas crescer, ao mesmo tempo; outras fazem-me, simplesmente maravilhar com a felicidade que atinjo. Todas elas foram e são positivas. E nenhuma delas me tirou a capacidade de me amar a mim propria ,de amar os outros e, de receber tb, o amor dos outros sem quaisquer reservas.
O exemplo disso é te-la "conhecido" a si e a muitos outras pessoas deste mundo virtual que me têm ajudado em horas mais dificeis com as suas palavras.
Incrivel como a inter-relação entre pessoas que nunca se viram, distanciadas por milhares de km , podem ser tão importantes na nossa vida. A teia humana alarga-se e a nossa teia interior tb.
Obrigado pelas suas palavras e pela sua presença.
Um beijinho
Zica

Zica Cabral disse...

querida Sylvia, in medio virtus est. A frase em latin que significa que, no meio esta a virtude É bem verdade e Buda esplicou todas as passagens da vida com um bom senso e experiencia , extraordinarios.
Quando ao tema de hoje, o dia da Mãe, a minh ja não esta fisicamente entre nós há bastantes anos mas vive dentro do peito de cada um de nós, a filhos a quem deu vida e amor. Era uma pessoa extraordinaria em milhares de coisas e tive o privilegio de viver com ela durante muitos anos após o meu Pai ( outro ser extraordinario) ter partido.
Como Mãe que sou , embora os meus filhos estejam muito longe não deixaram de me telefonar para me recordar quando gostam de mim.
bjs
Zica

Anônimo disse...

Minha Homenagem pela passagem do dia das Mães
leiam o apelo de uma mãe como você,
mas que tem um filho diferente do seu.
Efigênia Coutinho

Anônimo disse...

Olá Sylvia!
Vi o seu perfíl no Blogspot e achei você uma pessoa interessante, pois está preocupada com o seu mundo interior, isso é bom.
Portanto convido-lhe a acessar o meu bloque e deixar algum comentário se assim desejar. Meu endereço é:
http://saudeespiritualidade.blogspot.com/
Atenciosamente
Francisco Oliveira

Anônimo disse...

Querida doutora Sylvia,
por indicação do Artur, estou navegando pelo seu blog e gostando. Não esqueça da sua participação na nossa aula inaugural, dia 09/05.O seu tema será " O corpo energético". Nossos alunos agradecem. Parabéns pelo blog e parabéns pelo escrito magnífico sobre a sua mãe. Para ter uma filha como você, querida, só podia ser uma mulher especial. Abraço.

Carlos Henrique

Anônimo disse...

Doutora, esqueci de lhe dizer dizer: Depois da aula haverá um jantar para os amigos e você é nossa convidada especial. Abraço.

Carlos Henrique

Anônimo disse...

ESTIMA SILVIA, ABRE ESTE LINK E A SUA DIREITA VEJA UMA SURPRESA QUE FIZ A SUA PESSOA, EFI.

http://efigeniacoutinhoselospremiosblogsamig.blogspot.com/