segunda-feira, 6 de abril de 2009

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MANUEL ALEGRE
(Portugal - 1936)
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“… Não sei de amor senão o não ter tido
teu corpo que não cesso de perder
nem de outro modo sei se tem sentido
este amor que só vive de não ter
o teu corpo que é meu porque perdido
não sei de amor senão esse doer…“
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«… eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés…»
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AS SETE PENAS DO AMOR ERRANTE
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Eu não sei se os teus olhos se gaivotas
mas era o mar e a Índia já perdida
as ilhas e o azul o longe e as rotas
minha vida em pedaços repartida.
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Eu não sei se o teu rosto se um navio
mas era o Tejo a mágoa a brisa o cais
meu amor a partir-se à beira-rio
em uma nau chamada nunca mais.
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Eu não sei se os teus dedos se as amarras
mas era algo que partia e que
ficava. Ou talvez cordas de guitarras
ó meu amor de embarque desembarque.
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Eu não sei se era amor ou se loucura
mas era ainda o verbo descobrir
ó meu amor de risco e de aventura
não sei se Ceuta ou Alcácer Quibir.
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Eu não sei se era perto se distante
mas era ainda o mar desconhecido
ou Camões a penar por Violante
as sete penas do amor proibido.
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Eu não sei se ventura se castigo
mas era ainda o sangue e a memória
talvez o último cantar de amigo
amor de perdição amor de glória.
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Eu não sei se teu corpo se meu chão
mas era ainda a terra e o mar. E em cada
teu gesto a grande peregrinação
das sete penas do amor lusíada.
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Manuel Alegre, in "Atlântico"
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COISA AMAR
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Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente longamente.
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Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
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Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói
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desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
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Manuel Alegre
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AMOR DE FIXAÇÃO
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Há um caminho marítimo no meu gostar de ti.
Há um porto por achar no verbo amar
há um demandar um longe que é aqui.
E o meu gostar de ti é este mar.
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Há um Duarte Pacheco em eu gostar
de ti. Há um saber pela experiência
o que em muitos é só um efabular.
Que de naugrágios é feita esta ciência
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que é eu gostar de ti como um buscar
as índias que afinal eram aqui.
Ai terras de Aquém-Mar (a-quem-amar)
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naus a voltar no meu gostar de ti:
levai-me ao velho pinho do meu lar
eu o vi longe e nele me perdi.
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Manuel Alegre
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SEXTINA
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Tanto de amor se disse que não sei
Como dizer que amor é outra coisa
Que nem só o teu corpo me fez rei
Nem tua alma só me deu a rosa
Tanto se disse menos o dizer
Esta paixão que é de todo o ser
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E ao fim do ser ainda a outra coisa
Mais do que corpo e alma e ser não ser
Como entre vida e morte e sexo e rosa
Um morrer e um nascer. Como dizer
Este reino em que sou o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei
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Como dizer este Elsenor sem rei
Se tanto disse menos o dizer
Esta paixão que sabe o que não sei
Em Elsenor de ser e de não ser
Senão que amor ainda é outra coisa
Como entre o corpo e a morte o anjo e a rosa
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Como dizer do sexo a alma e a rosa
Se amor é mais que ter e mais que ser
Um morrer ou nascer ou outra coisa
Entre a vida e a morte e um não dizer
Senão que disse tanto e ainda não sei
Como dizer de amor se servo ou rei
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Se disse tanto menos o dizer
Esta paixão da alma que não sei
Se é o sexo ou seu anjo ou só o ser
Entre a vida e a morte o breve rei
Deste reino que fica à beira-rosa
Do teu corpo onde amor é outra coisa
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Como dizer de amor ser e não ser
Se amor mais do que amor é outra coisa
Mais do que ser e ter mais que dizer
Um morrer e nascer entre anjo e rosa
Ou entre o corpo e a alma o servo e o rei
Como dizer se tanto e ainda não sei
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Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"
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LETRA PARA UM HINO
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É possível falar sem um nó na garganta
é possível amar sem que venham proibir
é possível correr sem que seja fugir.
Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
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É possível andar sem olhar para o chão
é possível viver sem que seja de rastos.
Os teus olhos nasceram para olhar os astros
se te apetece dizer não grita comigo: não.
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É possível viver de outro modo. É
possível transformares em arma a tua mão.
É possível o amor. É possível o pão.
É possível viver de pé.
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Não te deixes murchar. Não deixes que te domem.
É possível viver sem fingir que se vive.
É possível ser homem.
É possível ser livre livre livre.
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Manuel Alegre
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UMA FLOR DE VERDE PINHO
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Eu podia chamar-te pátria minha
dar-te o mais lindo nome português
podia dar-te um nome de rainha
que este amor é de Pedro por Inês.
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Mas não há forma não há verso não há leito
para este fogo amor para este rio.
Como dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.
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Gostar de ti é um poema que não digo
que não há taça amor para este vinho
não há guitarra nem cantar de amigo
não há flor não há flor de verde pinho.
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Não há barco nem trigo não há trevo
não há palavras para dizer esta canção.
Gostar de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.
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Manuel Alegre
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DA TUA VIDA
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Da tua vida o que não podem entender
Nem oiro nem poder nem segurança
Mas a paixão do Tempo e de seus riscos
Tu buscaste o instante e a intensidade
E foste do combate e da mudança
Por isso um rastro de ruptura e de viagem
Ou talvez este fogo inconquistado
Como breve eternidade
De passagem
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Manuel Alegre, in "Chegar Aqui"
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Manuel Alegre de Melo Duarte nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde foi um activo dirigente estudantil. Apoiou a candidatura do General Humberto Delgado. Foi fundador do CITAC – Centro de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra, membro do TEUC – Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, campeão nacional de natação e atleta internacional da Associação Académica de Coimbra.
Dirigiu o jornal A Briosa, foi redactor da revista Vértice e colaborador de Via Latina.
A sua tomada de posição sobre a ditadura e a guerra colonial levam o regime de Salazar a chamá-lo para o serviço militar em 1961, sendo colocado nos Açores, onde tenta uma ocupação da ilha de S. Miguel, com Melo Antunes.
Em 1962 é mobilizado para Angola, onde dirige uma tentativa pioneira de revolta militar.
É preso pela PIDE em Luanda, em 1963, durante 6 meses. Na cadeia conhece escritores angolanos como Luandino Vieira, António Jacinto e António Cardoso. Colocado com residência fixa em Coimbra, acaba por passar à clandestinidade e sair para o exílio em 1964.
Passa dez anos exilado em Argel, onde é dirigente da Frente Patriótica de Libertação Nacional. Aos microfones da emissora A Voz da Liberdade, a sua voz converte-se num símbolo de resistência e liberdade.
Entretanto, os seus dois primeiros livros, Praça da Canção (1965) e O Canto e as Armas (1967) são apreendidos pela censura, mas passam de mão em mão em cópias clandestinas, manuscritas ou dactilografadas. Poemas seus, cantados por Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, tornam-se emblemáticos da luta pela liberdade. Regressa finalmente a Portugal em 2 de Maio de 1974, dias após o 25 de Abril.
Entra no Partido Socialista onde, ao lado de Mário Soares, promove as grandes mobilizações populares que permitem a consolidação da democracia e a aprovação da Constituição de 1976, de cujo preâmbulo é redactor. Deputado por Coimbra em todas as eleições desde 1975 até 2002 e por Lisboa a partir de 2002, participa esporadicamente no I Governo Constitucional de Mário Soares.
Dirigente histórico do PS desde 1974, é Vice-Presidente da Assembleia da República desde 1995 e é membro do Conselho de Estado (de 1996 e 2002 e de novo em 2005). É candidato a Secretário-geral do PS em 2004, naquele que foi o mais participado Congresso partidário de sempre. Em 2005 candidatou-se à Presidência da República, como independente e apoiado por cidadãos, tendo obtido mais de 1 milhão de votos nas eleições presidenciais de 22 de Janeiro de 2006, ficando em segundo lugar e derrotando o candidato oficial apoiado pelo PS.
É sócio correspondente da Classe de Letras da Academia das Ciências eleito em Março de 2005. Sobre a sua obra poética, reeditada sucessivas vezes, Eduardo Lourenço afirmou que “sugere espontaneamente aos ouvidos (...) a forma, entre todas arquétipa, da viagem, do viajante ou, talvez melhor, peregrinante”.
O livro Senhora das Tempestades (14.000 exemplares vendidos num mês) inclui o poema com o mesmo nome, que Vítor Manuel Aguiar e Silva considerou “uma das mais belas odes escritas na língua portuguesa”.
Publicou os romances Alma (12 edições) e A Terceira Rosa, duplamente premiado. Segundo Paola Mildonian, Manuel Alegre “canta a dor e o amor da história com acentos universais, com uma linguagem que (...) recupera em cada sílaba os quase três milénios da poesia ocidental”.
No Livro do Português Errante, Manuel Alegre, segundo Paula Morão, emociona e desassossega: “depõe nas nossas mãos frágeis as palavras, rosto do mundo, faz de nós portugueses errantes e deixa-nos o dom maior (...) – os seus poemas”.
O seu livro, Cão como nós, vai na 15ª edição.
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Principais condecorações e medalhas :
Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, Comenda da Ordem de Isabel, a Católica e Medalha de Mérito do Conselho da Europa, de que é Membro Honorário.
Medalha da Cidade de Veneza, por ocasião do Convénio Internacional “La Porta d’Oriente – Viaggi e Poesia” (Novembro de 1999).
Medalha de Ouro da Cidade de Águeda, sua terra natal.
Ordem de Mérito Nacional da Argélia, “DJADIR”, atribuída pelo Presidente Bouteflika em 31.05.2005
Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores em 21.05.08
Grande Oficial da Ordem da Estrela da Solidariedade Italiana, atribuída pelo Presidente de Itália em 2.06.08
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Estudos e teses sobre a sua obra:
A obra literária de Manuel Alegre tem sido objecto de estudos e teses de doutoramento e mestrado, designadamente nas seguintes instituições:
Université Libre de Bruxelles
Istituto Universitario Orientale, Napoli
Università di Bologna
Università Cà Foscari, Veneza
Université Charles de Gaulle, Lille
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Faculdade de Letras da Universidade Católica de Viseu
Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Nova de Lisboa
Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Faculté des Lettres, Arts et Sciences Humaines de Nice - Sophia Antipolis
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Prêmios literários:
1998 - Prêmio de Literatura Infantil António Botto, pelo livro As Naus de Verde Pinho
1998 - Prémio da Crítica Literária atribuído pela Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos Literários, pelo livro Senhora das Tempestades
1998 - Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores, patrocinado pelos CTT, pelo livro Senhora das Tempestades
1999 - Prémio Pessoa, patrocinado pelo jornal Expresso e importante referência no panorama cultural português, pelo conjunto da Obra Poética, editada em 1999
1999 - Prémio Fernando Namora, patrocinado pela Sociedade Estoril-Sol, pelo livro A Terceira Rosa
2008 – Prémio D. Dinis, patrocinado pela Fundação da Casa Mateus, pelo livro Doze Naus

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http://www.manuelalegre.com/index.php?area=1500
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/alegre.html
http://www.citador.pt/biblio.php?op=13&byauthor=1125&firstrec=0
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4 comentários:

Jaqueline Sales disse...

Antes da páscoa, vim vê-la e deixar o meu abraço bem apertado, mas espero sobretudo que esse encontro permita que nós possamos nos preparar para orar, para comer chocolate, sorrir com os amigos e familiares e acreditar que deixaremos Cristo ressurcitar nas nossas vidas e nos nossos sonhos hoje e sempre.

FELIZ PÁSCOA, MANAMADA.

BeijUivoooooooooooossssssss da Loba

Zica Cabral disse...

O Manuel Legre é um grande poeta.........como poeta é genial..............pena que se tenha tornado politico tb, falhou redondamente nos seus propositos e perdeu muito!!!!
Uma Páscoa muito Feliz e que a comunhão com os ensinamentos de Cristo estejam sempre na mente dos Homens.
Um beijinho
Zica

Anônimo disse...

Veja os devaneios poéticos no
end: ramedaol.blogspot.com

E Você acredita nas evidências do amor e desamor? Já viajou do prazer ao sofrer? Já brigou com o Sim e Não? Então leia!!!!

End: ademareadebem.blogspot.com.br

Anônimo disse...

Segunda entrada del mes en http://elperroelocuente.blogspot.com/
Dos artículos: Inicios de cuentos y el poder de Internet.
Gracias por seguir el blog.
Jorge Aloy

PD: Aquél que se interese por algún cuento de los INCIPIT y no lo tenga, puede solicitarlo. Si el perro lo tiene en archivo lo enviará por correo electrónico.